A Rússia reconheceu a independência da Abcázia e da Ossétia do Sul - ver aqui. Esta decisão, para alguns expectável depois da votação unânime na Duma, parece-me um tremendo erro por parte da Rússia, que, assim, se arrisca a pôr em causa os ganhos estratégicos que conquistou até agora e a alienar por completo grande parte dos países Ocidentais.
Depois do erro clamoroso que foi a independência do Kosovo, Moscovo ganhou alguma "superioridade moral". Independentemente dos seus interesses nacionais, que foram o que justificaram a sua posição, a Rússia apareceu como um dos poucos países para quem o Direito Internacional ainda ditava alguma coisa. Agora esse capital esfumou-se por completo.
Esta decisão de Moscovo garante, é certo, o fim da integridade territorial georgiana, mas abre uma perigosíssima Caixa de Pandora, como o Niccolo já aqui referiu, que poderá pôr em causa aquilo que a Rússia conseguiu evitar com o fim da URSS - o revisionismo das fronteiras no espaço pós-soviético.
Acresce que o argumento utilizado pela Rússia, e cuja expressão concreta até agora foi a resposta ao ataque georgiano, arrisca-se agora a substituir o princípio sacrossanto da integridade territorial. Este foi agora substituído, efectivamente, por um outro - o da protecção de cidadãos russos onde quer que eles estejam (leia-se, no futuro próximo, Ucrânia). Com a agressão da Geórgia à Ossétia do Sul a Rússia pôde esgrimir este argumento com um relativo à-vontade: as acções de Tiblissi eram um argumento auto-suficiente para a resposta de Moscovo e aquele outro, de protecção dos cidadãos russos, era apenas utilizado como argumento supletivo. Ora, com este reconhecimento, a justificação russa para o reconhecimento da independência da Abcázia e da Ossétia do Sul, ganha uma força tal que se sobrepõe ao princípio da integridade territorial.
Duvido que Moscovo não tenha ponderado o efeito deste passo no seu próprio território - nomeadamente na Tchetchénia e no Daguestão. Fê-lo certamente e concluiu que os benefícios superam os custos.
Quanto à reacção dos países ocidentais, que reconheceram a independência do Kosovo sempre argumentando que esta não constituía qualquer precedente, estes não vão assistir impávidos e serenos a este desenvolvimento. O seu relacionamento com Moscovo vai sofrer um sério revés e, confesso, outra coisa não seria de esperar. Este passo é perigoso - tanto quanto o do Kosovo. Mas um erro não justifica outro.
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