domingo, 30 de dezembro de 2007

Ainda o Paquistão

Retomo também eu a escrita no blog na senda do último post do Otto. O Paquistão, pelos piores motivos, salvou as edições de muitos jornais e televisões, que, sem o assassinato da Sra. Bhutto, se veriam obrigados às típicas reportagens sobre pacotes de final-de-ano, mortes nas estradas, alguns desastres naturais e pouco mais. Já nem as férias dos políticos nos salvam, agora que são mantidas em segredo. Em abono da verdade, contudo, esta parece ser uma época (entre o Natal e o fim de ano) em que cada vez mais se passam coisas (demissão do Presidente Yeltsin na véspera do Ano Novo; enforcamento de Saddam; tsunami;...). Mas é sobre o Paquistão e a Sra. Bhutto em particular que quero dizer algumas coisas.

Em primeiro lugar, assistimos, com o seu assassinato, a um fenómeno sempre muito curioso e recorrente: de pessoa por muitos criticada, a Sra. Bhutto é, desde que morreu, a possível-melhor-coisa-que-poderia-eventualmente-ter-acontecido-ao-Paquistão. É extraordinário. Para o Ocidente, e os EUA em particular, percebe-se que esta seja a imagem que importa passar: a Sra. Bhutto estudou em Oxford e em Harvard, era laica e tinha, de facto, apoio popular num país em que as mulheres não são educadas para ocupar postos de topo (ela própria o sabia, quando, pouco antes de concorrer às suas primeiras eleições, se casou à pressa). Contudo, nada disto invalida que tenha sido, por duas vezes, afastada por acusações de corrupção e que, dos seus mandatos de PM, não tenham resultado grandes resultados em matéria de política externa. Ela própria o reconheceu, quando afirmou que detinha o cargo, mas não o poder, que estava nas mãos do exército.

Em segundo lugar, e na sequência desta sua afirmação, temos de reconhecer que o papel de PM no Paquistão não é, em si, garantia nenhuma. A Sra. Bhutto defendia, de facto, posições que em tudo agradavam ao Ocidente, mormente a de uma gradual aproximação à Índia, o que implicava uma diminuição do apoio aos separatistas de Caxemira. Contudo, esta foi também a mulher que, no exílio, forjou um "power-sharing agreement" com o Presidente que, poucas semanas depois, acusou de ser um ditador que não merecia a sua confiança. Argumentarão que, na cena política paquistanesa, a coerência não é o valor mais prezado. Mas não se pode negar que, para o exterior, esse é talvez um dos principais barómetros para se aferir da "adequabilidade" de um candidato.

Dito isto, é evidente que o atentado foi lamentável; que teve e terá consequências profundas na cena política do Paquistão; que o Presidente Musharaf, se já tinha pouca credibilidade interna e externa, agora perdeu definitivamente a que ainda lhe restava; que as eleições de Janeiro serão indubitavelmente influenciadas pelo que aconteceu e que o Ocidente perdeu uma potencial aliada (tenho dúvidas, ainda assim). Penso, contudo, que os riscos propagados de separação do Paquistão são altamente exagerados. Tumultos políticos já o país teve vários e não foi por isso que se fragmentou (excluindo, evidentemente, o caso do Bangladesh, que não é comparável à situação actual). O exército não só não o permitirá, como aqueles que se dizem interessados nisso sabem bem que não teriam qualquer sucesso / apelo / raison d'être caso tal viesse a acontecer.

Em suma, a morte da Sra. Bhutto é apenas mais um triste episódio, que, infelizmente, não penso que venha a ser o último com que o Paquistão nos brindará.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Uma vítima a mais

Um remendo curto, porque estou em desterro e não tenho condições para escrever nada de jeito. Alguns dirão que nunca escrevi nada de jeito, mesmo com todas as condições... Enfim.

Este é dos acontecimentos mais graves de 2007, sem margem para dúvida. O Ocidente quis à viva força que o regime paquistanês se aligeirasse, que Musharraf despisse o uniforme, que o Paquistão reencontrasse alguma normalidade democrática. Eu não digo que esteja errado, mas acho sempre esquisita a imagem de generais a despirem as fardas. Adiante.

A morte da Sra. Bhutto é, em boa medida, a morte de Pervez Musharraf. A ditadura paquistanesa encontrava água para se lavar aos olhos da comunidade internacional, e mesmo internamente, por representar um sistema eficaz de oposição ao extremismo islâmico e por ser um aliado dos Ocidentais no Afeganistão.

Um rotundo fracasso, não vos parece? Eis o Paquistão mergulhado em semi-insurreição, o seu governo desacreditado e cadáveres pelas ruas das cidades. A campanha eleitoral já tinha sido o que foi, e agora isto. Não acredito que haja muita boa vontade em Washington, ou onde quer que seja, para com o General de Islamabad, e imagino que se esteja a preparar uma transmissão de poder tranquilo, que não pareça uma demissão, e um exílio razoável para ele. O substituto? Um outro general, alguém de desconhecido no exterior e de reputação sólida entre as Forças Armadas paquistanesas. Alguém que não desiluda as bases do poder, e isso inclui os EUA.

Tudo isto são adivinhas, mas parecem-me adivinhas razoáveis. Se o Paquistão se afundar na anarquia, ou na insurreição concertada, será o terceiro vizinho do Irão a ir abaixo, sem um governo capaz nem ordem interna razoável. É mau para todos, e especialmente mau para o Ocidente. Não há muitas escolhas para além de apoiar qualquer governo forte no Paquistão, com o consequente descrédito para a nossa própria fé na democracia representativa nos países de tradição islâmica.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Não estou satisfeito com este senhor

Qual Harry Potter, o primeiro-ministro interino da Bélgica, Guy Verhofstad, conseguiu, ao que parece, pôr de acordo flamengos e valões para formar um governo mesmo a sério lá para Março. Quem vai estar à frente? O mesmíssimo Yves Leterme, cantautor de renome e bi-ex-formateur.

Parece que a Bélgica vai sair do anedotário internacional e finalmente ter um governo. Como se isso lhe fizesse muita falta. Mas o Plano Otto para a Bélgica fica por realizar, pelo menos por agora. E nós, aqui, com o PIB per capita mais baixo da Zona Euro, temos menos um motivo mesquinho com que nos contentar na desgraça alheia.

Outros virão, que coisa - a Inglaterra tem um treinador italiano que não fala inglês. Eis um.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Não são mil palavras, são mil m3 de palavras


Um verdadeiro ícone da Putinada, esta fotografia, e o artigo que acompanha merece leitura.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Última hora

Isto é importantíssimo, e levou menos tempo do que eu julgava. A seguir com toda a atenção.

EUA, Rússia e Jogo de Soma Zero

Em Política Internacional, o Jogo de Soma Zero é tipicamente exemplificado pelo presente estado em que se encontram as relações bilaterais EUA-Rússia, pelo menos no que diz respeito à pretensão da Administração republicana em montar um sistema anti-míssil na Europa (Polónia e Rep. Checa).

Se em momentos anteriores, a Rússia abriu a porta para uma solução mediada, actualmente a questão chegou a um ponto tal em que, se os EUA insistirem em colocar elementos do Escudo em território polaco e checo, Moscovo insistirá na sua 'neutralização'.

Parece então ser muito simples a análise desta situação. Os ganhos dos EUA são proporcionais às perdas russas e vice-versa... ou será que não?

Para os entusiastas das Relações Internacionais, em especial os que acompanham as relações EUA-Rússia, do actual momento de tensão poderá resultar:


a) Roll back norte-americano;

b) Roll back russo;

c) EUA comunicam avarias no sistema que levam à suspensão do programa;

d)EUA avançam com a instalação do sistema e desafiam o Kremlin a responder;


Num clássico exercício de 'tarologia':

a) improvável, os EUA não recuam;

b) improvável, a Rússia não recua;

c) Muito provável saída airosa. Não é encarada ao nível político como uma derrota, adia qualquer decisão sobre esta matéria para o futuro. Não é dificil de vender esta saída pois ao longo dos anos foram várias as falhas deste tipo (por exemplo, esta), sendo altamente duvidoso que alguma vez seja possível atingir uma fiabilidade do sistema na ordem dos 100%.

d) improvável, seria muito 'dificil de vender' e de colocar em marcha. Para isso o sistema teria de estar numa fase de desenvolvimento muito mais avançada.


Avaliando o momento actual e comparando-o com outros momentos igualmente clássicos:

I. Crise dos mísseis de Cuba - Jogo de Soma Zero, vitoria dos EUA nos media (de influência ocidental e muito politizado durante o período da Guerra-fria), empate técnico no campo das RI's.

II. Crise dos Euromísseis - Jogo de Soma Zero, novo empate técnico.

III. Crise da 'Guerra das Estrelas' - os EUA saem vitoriosos, não por mérito próprio da sua política externa, mas porque a falência do sistema político/económico soviético ditou a queda do regime. Como tal, não houve empate técnico, os EUA ganharam o jogo de Soma Zero, de tal forma que demorou à Rússia 10 anos até voltarem a estar de novo na ribalta do xadrêz internacional.

Será este o momento clássico IV? Se assim fôr, estamos perante a hipotese de assistirmos finalmente a... novo empate técnico.
Independentemente deste nosso exercício de 'tarologia', certo é que com estas declarações, a Rússia jogará sempre a jogada de fracturação da Europa, contando com as ansiedades alemãs, com a impetuosidade francesa, a neutralidade ibérica, a agressividade britânica, o atlantismo das ex-républicas soviéticas (agora sob alçada da PESC e PEV, respectivamente), as cautelas nórdicas e a sempre colorida prestação italiana (talvez uma t-shirt como na 'crise' dos cartoons de Maomé).

E o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)? Qualquer que venha a ser a sua reacção, será sempre analisada como um fracasso do sistema dominado por Washington (pelo menos aos olhos dos reformistas adeptos da entrada de mais membros permanentes). Sobre isto, gostaria de ouvir o que dizem as autoridades de Brasília e Nova Deli sobre o assunto. Afinal de contas, devem ter uma opinião a dar, como candidatos a um lugar permanente no CSNU...

E a NATO? Limitar-se-á a reagir em conformidade com o seu novo conceito estratégico e defenderá a instalação do sistema à luz da Guerra contra o Terror e da acção preemptiva contra a ameaça iraniana.

Da ocidental praia lusitana

Só uma curta referência à nova campanha pela imagem do nosso país, aqui no International Herald Tribune e saqueado, sem dó nem piedade mas com muita admiração e respeito, daqui.

Finalmente fala-se a sério de demarcar Portugal dos outros países do Sul da Europa, todos metidos no mesmo saco (Itália, Grécia... Espanha, meu Deus) aos olhos dos Europeus do Norte. Parece que a campanha tenta duas coisas boas: (1) criar uma imagem distintiva de Portugal e (2) colocar-se na perspectiva dos destinatários. É pelo menos um espírito muito acertado, tendo em conta os obstáculos à afirmação de uma imagem própria de Portugal no Mundo e àquilo que se comprova nos contactos com estrangeiros. Sim, fala-se de mar, mas já não nas omnipresentes caravelas e saudades e roupa preta. Nunca é tarde para emendar a mão.
Só um problema em tudo isto, e um problema grave, que é a seguinte luminária atribuída ao Ministro da Economia: "History is the past", como que a dizer "oh pá, isso agora não interessa nada". É uma frase que tem tanto de curta quanto de tacanha, e espero que tenha sido apenas um engano na transcrição.





sábado, 15 de dezembro de 2007

Uma menção ao Tratado de Lisboa, porque compete

Compete-nos, como consertistas deste Mundo, referir aqui, mesmo que à distância de dois dias, referir o Tratado de Lisboa, assinado na capital do nosso país. Pessoalmente, não me vou debruçar sbre o seu conteúdo; isso, aqui neste blogue, aconteceu aquando do Conselho Europeu de Outubro. Não houve alterações entretanto que justifiquem novos comentários.

No entanto, há que comentar a cerimónia e aquilo que Portugal tem revelado saber fazer bem, trazendo lustro às nossas velhas glórias de esmorecido brilho: certames. Nós somos bons a organizar certames. Sejam eles grandes ou pequenos, se há muita gente em movimento e um acontecimento e se é em Portugal, é garantia quase absoluta de que vai correr bem e vai ficar bonito na fotografia. Foi a Expo 98, foi o Porto 2001, foi o Euro 2004, foram as múltiplas reuniões e conferências da Presidência (faltam aqui coisas, ajudem).

Dirão: "ah, mas e o conteúdo, hã? O conteúdo? O que é que Portugal ganha MESMO com organizar estes acontecimentos? Os portugueses vivem melhor graças a tudo isto?"

E eu diria, se me perguntassem isso, que Portugal ganha aquilo que lhe faz falta em política externa, que é notoriedade e projecção, mesmo que passageira; que o dinheiro gasto é bem gasto, mesmo que não contribua, directamente, para melhorar a vida nos bairros da Pasteleira e em Fornos de Algodres, ou sequer em Odivelas. Este brilhozinho que brevemente cintila no nosso país reflecte-se em todos nós. Menos naqueles que são baços de espírito.

E a Dulce Pontes... mal, mal. Se para os portugueses já é complicado, imagine-se para um estrangeiro, que nunca ouviu sequer um fado, quanto mais a actuação da Dulce. Dulce na rádio - sempre; em frente aos gringos - não. Mas sei de fonte bem informada que foi a última escolha. Caramba, no melhor pano cai a nódoa.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Um acordo, para não se falar apenas do Tratado

Hoje quero falar do Acordo Ortográfico, aquele sobre o qual corre muita tinta desde há anos e anos para cá. Acordos ortográficos parece que houve muitos, essencialmente entre Portugal e o Brasil, uma vez que nos países africanos a grafia seguida é, essencialmente, a portuguesa.

O acordo ortográfico, este último de que se fala, levanta, como de costume, celeuma em Portugal, e aqui deixo o último artigo sobre o assunto. No Brasil, suponho que não, pelo motivo de que o Brasil tem mais com que se preocupar e porque é o principal beneficiado em deixar correr o marfim. Em Portugal não gostamos (fora quem quer que tenha negociado o dito) sequer que se fale em acordo ortográfico. E porquê? Porque não queremos passar a escrever como se escreve no Brasil. Não queremos mudar a ortografia de 8% das nossas palavras, não queremos escrever "ator". Só por isso.

A coisa seria menos grave se não representasse, ainda por cima, um prejuízo grave para as editoras portuguesas que teriam de reimprimir os livros destinados a todo o Mundo Lusófono (desculpem, não resisti) para se adequarem ao Acordo, enquanto as editoras brasileiras não. Sabe a esforço desproporcionado e, ainda por cima, inglório. Mais vale não fazer, a sério.

Consola-me a sensação de que, como em todos os anteriores, este acordo vai ser letra morta. Vai valer menos que as folhinhas de papel em que está escrito e garatujado no final. Porque é daquelas leis sem eficácia social. Pode ser aprovada, referendada, promulgada e publicada em todos os trâmites e mais algum. Mas os destinatários não a querem aplicar. Maçada...

E tudo isto é escrito, para mais, com a perfeita noção de que a promoção da Lusofonia é e deve continuar a ser uma das primeiras directrizes da política externa portuguesa; que a nossa luta para fazer do português uma das línguas de trabalho da ONU, e que esse português será certamente o do Brasil, é justa e terá resultados; que é graças ao Brasil que o português é uma das línguas mais faladas no Mundo; que tudo se deve fazer para reforçar o estatuto do português como língua quotidiana e de cultura na América do Sul, na África e, com maior custo, já se sabe, na Europa e na Ásia.

A minha única achega a tudo isto é que empobrecer a Língua, harmonizando-a artificialmente, contra a prática e contra o sentimento de tantos, não contribui para estes objectivos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Para o Kosovo e em força


Se um homem é capaz de assinar um livro assim, é porque certamente saberá o que fazer do Kosovo.


O dia é hoje, e esperemos que não marque o início de tempos alterosos para a Europa.

domingo, 9 de dezembro de 2007

A Cimeira em imagens

Poupo-vos a milhares de palavras (e não fiquem com esse ar de alívio):

Uma das grandes vitórias da Cimeira UE-África foi conseguir atrair a participação da sociedade civil internacional. Na foto a estrela rock Bono, visivelmente cansado depois de ter estado a vender T-shirts encarnadas da GAP a US$ 500 a oligarcas russos.

Ao lado de Cavaco Silva PR encontra-se:

a) Uma guarda-costa de Quadafi em traje de gala;
b) A Secretária de Estado para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido;
c) A senhora de Alpha Omar Konaré, o Durão da UA, ou
d) A presidente da Libéria, única mulher Chefe de Estado no Continente.

Qui se ressemble se rassamble. Parabéns ao Protocolo do Estado pelo sitting (ou standing, neste caso?) que juntou estes dois próceres africanos, o sudanês e o zimbabueano (zimbabuense? zimbabueta?). Uma fotografia memorável, e melhor ainda se estivessem ambos às portas de um lugar que Dante descreveu admiravelmente. E não é o Paraíso.

"Porreiro, pá!"
"Agora é o Tratado, pá."
"Eh pá, vamos a isso. Achas que o Brown vem?"
"Não sei, pá. Mas se quiser mandar a Secretária de Estado dele também pode."

A tríade está completa


No início da sua Presidência da UE, Portugal assumiu três objectivos principais: 1) concretizar uma parceria estratégica com o Brasil, à imagem das que tinha iniciado, em 2000, com a Índia e com África; 2) conseguir um Acordo sobre um novo Tratado; 3) realizar uma demasiado adiada Cimeira com a União Africana. Foram todos atingidos. Contrariamente ao que os cépticos e os tradicionais Velhos do Restelo poderão dizer, não são vitórias pequenas.

A parceria com o Brasil podia ser tida, inicialmente, como uma questão relativamente pacífica. A importância do Brasil na cena internacional é cada vez mais relevante e a necessidade de o reconhecer como parceiro estratégico da UE (em pé de igualdade com a Rússia, os EUA, a China e a Índia) poderia parecer como evidente. Se o fosse, certamente, já outros os teriam tentado. Por vezes as evidências são tão evidentes que ninguém se lembra delas. Por outro lado, Espanha, por exemplo, teria se calhar preferido incluir nessa parceria estratégica a América do Sul (ou Latina, como alguns preferem).

Sobre o Tratado de Lisboa já escrevi e penso que ninguém põe em causa que, apesar de ter sido a Alemanha (e a Chanceler Merkel, porque nestas coisas as pessoas contam e muito) a dar início ao processo, foi Portugal que o concluiu. É meritório. Apesar de algumas dúvidas que persistem sobre a sua aplicação prática, o acordo sobre o Tratado teve pelo menos o mérito de fazer a Europa abandonar uma crise de confiança que já durava há tempo demais.

Sobre a Cimeira com a UA, aí ninguém pode pôr em causa que foi Portugal que, contra ventos e marés, desenhou o plano, o executou e o conseguiu levar a bom porto. Não foi fácil. Da resistência do Reino Unido, passando pela complicada questão dos convites até aos temas a discutir e aos documentos a assinar, o mérito é de Lisboa. Como já referi anteriormente, penso que o diálogo serve melhor os interesses dos países do que a ostracização, que, não só nada resolve, como acarreta o risco de apenas se exacerbarem e aumentarem ainda mais fossos, tensões e posições. Ontem e hoje muito líderes africanos ouviram o que dificilmente ouviriam nos seus países sobre Direitos Humanos, Democracia e Boa Governação. Os governantes europeus, por seu turno, ter-se-ão apercebido que os tão propalados Acordos de Parceria Económica não são uma receita económica assim tão milagrosa e evidente para os países africanos. Sem Cimeira, duvido que algum dos dois debates acontecesse com tanta clareza e visibilidade pública. Valeu, portanto, e quanto mais não seja, por isso.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Afinal de contas, parece que não!

É absolutamente espantoso o número de vezes que a administração norte-americana se vê confrontada com relatórios internos que contradizem em toda a linha os discursos de Washington sobre a conduta dos estados do 'Eixo do Mal'.

Agora é o US National Intelligence Estimate (NIE) a afirmar que o Irão parou com os trabalhos no seu programa nuclear em 2003...

Pois... parece então que afinal de contas... o tipo lá do Irão... pois... e coiso e tal... não está a produzir uma bomba... Ahhh, certo... hummmmm.....

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Um parto difícil

Demorou bastante tempo, para os padrões habituais, mas da Cimeira UE-China saiu, finalmente, uma Declaração Conjunta, com 16 páginas - como que a justificar o hiato temporal entre a realização da Cimeira (28 de Novembro) e a emissão da Declaração (hoje, 3 de Dezembro). Disponível aqui.

Um dos assuntos que marca a actualidade da região, e que foi alvo de declarações pelo PM Sócrates, é o referendo que o PM de Taiwan pretende organizar sobre o pedido de adesão à ONU (repetidamente recusado pela Organização em tentativas anteriores), substituindo Taipé a República Popular da China (que, recorde-se, apenas entrou na Organização em 1971).

Este referendo, como sublinhou a UE - e bem - em Pequim, é um perigo e uma ameaça à manutenção do statu quo. Para Taiwan é um tiro no pé, que não faz, racionalmente, qualquer sentido a um país a quem convém, a todo o custo, manter esse statu quo, evitar uma escalada nas tensões regionais e evitar, também a todo o custo, que aqueles que com ela trabalham e cooperam tenham de escolher definitivamente um lado. É evidente que, do ponto de vista de política interna, o referendo até pode fazer sentido. Mas, com os custos que este passo terá no plano externo, a bondade da sua execução deixa muito a desejar.

A Cuba de Raúl... é a 'China do Caribe'!

Cuba sonha em ser a 'China' das Caraíbas...


http://www.plazapublica.org/articulo.php?id=589&h=343&w=310&sz=36&hl=pt-PT&start=28&um=1&tbnid=NoPmuYU2Of5t8M:&tbnh=120&tbnw=108&prev=

Cuba quer parcerias que lhe dêem expertise para:

- explorar petróleo em águas profundas, no Golfo do México. A nossa GALP está a ficar uma expert... pode ser interessante...
- em transportes, quer melhorar a qualidade de rodovias e ferrovias. Pode ser que a BRISA esteja interessada...
- em turismo, o objetivo é atrair investimentos que complementem os hotéis, de forma a posicionar Cuba no mercado turístico caribenho. Na lista estão a construção de campos de golfe, marinas e parques temáticos e aquáticos e a descentralização dos hotéis, com o potencial de 30 mil novos quartos. De sua parte, o Estado acelerou os investimentos na restauração das edificações coloniais e está reformando lojas e edifícios no centro histórico, que estão sendo transformados em minishoppings e abrigando escritórios.

O governo diz ter trunfos para virar o jogo.
- Temos a oferecer garantia de dividendos livres de impostos, alíquotas menores de importação (de insumos) para construção e produção em Cuba, meio de transporte (são quatro grandes portos e uma razoável malha ferroviária), mão-de-obra formada e excelente posição geográfica - afirma Anaiza Rodríguez, diretora de Avaliação e Gestão de Projetos de Investimento do Minvec.

Como dizia o nosso Fernando Peça, "E esta hein?!?"

Nem alívio nem democracia

Motivo simples: o Presidente Chávez continua no poder até 2012, e esta derrota no referendo não significa nada. Tal como Putin, pode bem continuar como Grande Líder Nacional, ou Pandita, ou Grande Kahuna, ou o título que lhe quiserem dar. Não é por haver limites à reeleição que os ditadores populistas alimentados a petro-dólares largam as rédeas do poder.

Mais: pode até querer acelerar a Revolução Bolivariana ("perdi o referendo mas continuo Presidente") para deixar tudo pronto, em velocidade de cruzeiro, para quando «sair» em 2012, e aí está a comunidade portuguesa com as suas padarias e supermercados a pedi-las. Atenções redobradas àquilo que tanto Chávez quanto Putin vão fazer nos próximos dois ou três meses.

Como os defensores da «democracia material» tanto gostam de dizer - e com toda a razão - a democracia não se limita, nem se esgota, em eleições. Democratas de campanha conhecemo-los bem: o Prof. Salazar nunca perdeu umas eleições.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O Ártico

Nunca prestámos muita atenção ao Ártico, reconheça-se. Faz frio no Ártico, e as nossas navegações e deslocações são sempre no sentido de onde está quentinho - sempre e sempre para Sul. Ainda por cima o Vasco descobriu o caminho marítimo que ia mesmo dar à Índia e à China, conformámo-nos com a distância da Rota do Cabo, e por isso nunca andámos às voltas entre icebergues e morsas. Quem se mete em atalhos mete-se em trabalhos.

No entanto, o Ártico é importante, essencialmente porque está a derreter. Já desde a I Guerra Fria que era o ponto de contacto mais directo entre as superpotências; agora, ao arrefecimento progressivo das relações entre a Rússia e o Ocidente corresponde o aquecimento global e o descerrar das riquezas mirabolantes (reais e imaginárias) no seu leito marinho. As potências movimentam-se e seria positivo não só a UE, como Portugal, terem pelo menos uma posição, ou algo a dizer. Este artigo dá-nos um princípio de abordagem a partir de uma das potências interessadas, e é um bom ponto de partida para o aprofundar do conhecimento sobre estas paragens remotas - mas cada vez mais próximas.

É sabido que os russos estão a treinar ursos polares para colocar bandeiras em titânio e matrioscas em folha de Flandres por todo o leito do Oceano Ártico. Este é uma fotografia raríssima, obtida pelo Conserto das Nações a partir de uma fonte que protegeremos enquanto não for demasiado doloroso, de uma sessão de treino desse projecto.

Dá trabalho, mas deve compensar

Falar, discutir, negociar, reconhecer no outro um interlocutor válido, mesmo que com ele nem sempre se concorde, dá trabalho, implica um processo moroso e complicado, comporta o risco de se ser mal interpretado por alguns, mas, at the end of the day, compensa.
A Conferência de Annapolis e a sua lista de participantes são disto um exemplo. Ninguém esperava que desta reunião saísse uma solução final para o Processo de Paz do Médio Oriente. Contudo, o facto de se terem sentado à mesma mesa países e respectivos dirigentes com visões diametralmente opostas e antagónicas (mesmo que não se cumprimentando entre si), é um bom sinal. Deu-se início (como parece sempre acontecer no final do mandato dos Presidentes dos EUA) a um processo em que as partes se comprometeram a discutir e a dialogar. Tenho dúvidas sobre o seu sucesso, mas sempre é melhor que nada. De facto, olhando para o Médio Oriente, fico um pouco como o outro, que vai para a cama idealista, mas se levanta realista.
Digno de nota é o convite à Síria, um Estado que os EUA não se cansam de rotular como patrocinador do terrorismo. Representada a nível de Vice-MNE, a Síria não estará de regresso ao Concerto das Nações, mas deu, certamente, um bom passo para se certificar de que, havendo desenvolvimentos, será parte deles e não um mero espectador.
Este é, a meu ver, um bom princípio em relações internacionais: mais vale dialogar do que, pura e simplesmente, ignorar Estados que têm influência (goste-se ou não) na possível resolução de um problema. Esta abordagem terá, certamente, os seus limites: it takes two to tango, como bem se sabe. Mas, normalmente, países como a Síria preferem ser vistos como partes de um processo do que ignorados e postos de lado - estratégia que, normalmente, não dá bons resultados.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Com amigos destes

Falta pouco mais de um mês para terminar a última Presidência Portuguesa da UE (nos moldes em que esta decorreu, pelo menos - à luz do novo Tratado de Lisboa criar-se-á o cargo de Presidente do Conselho Europeu [ocupado actualmente pelo PM Sócrates] e o Alto Representante da PESC presidirá aos Conselhos de Relações Externas [como faz actualmente o Ministro Amado]).

Este não é, pois, o momento de fazer balanços. Mas já há sinais do que poderá vir a acontecer no próximo ano. A Eslovénia ocupará a Presidência no 1º Semestre e a França no 2º. Este post deve-se a Paris. Nas vésperas da Cimeira UE-China, o Presidente Sarkozy foi a Pequim transmitir as preocupações francesas com o crescente défice comercial entre a UE e a China e com a não valorização do yuan. Foram também estas as mensagens que Sócrates transmitiu ao PM Chinês ontem. Este tipo de atitude não fica bem Paris, não valoriza a tão procurada imagem de coerência externa da União, nem ajuda à sua credibilização face a países terceiros.

Em política externa, não deveria haver lugar a invejas ou precipitações. Sarkozy é as duas: invejoso e precipitado. Duvido que o resultado, no 2º Semestre, venha a ser famoso.

Dia 2...

O dia 2 de Dezembro vai ser um dia em que devemos estar atentos a dois países em particular: Rússia e Venezuela. Nesta última, Chavez, esse democrata de credenciais evidentes para todos, submete a referendo as alterações constitucionais que, entre outras pérolas, eliminará os limites aos mandatos presidenciais e criará cinco categorias de propriedade, das quais a privada é apenas uma (e a última).
Na Rússia, haverá eleições para a Duma. Para aqueles que ainda pensam no país de Putin como uma democracia, vale a pena ler isto. Duvido que na Venezuela seja muito diferente.
Ser democrata não é só ganhar eleições. É permitir que todos expressem as suas opiniões, que os meios de comunicação social sejam livres de fazer as suas opções editoriais, que ninguém seja intimidado a votar num determinado partido.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Só para contrariar

Não, este remendo não é dedicado a uma banda de axé. É dedicado à Rússia e muito em especial, com muito carinho, a S.Exa. o Ministro da Cultura, o Sr. Alexandre Sokolov.

A Rússia vai adoptando, com crescente veemência e, até parece, gostinho, uma atitude de recusa das práticas e atitudes europeias; confronta pelo facto de confrontar, assentando em argumentos que redundam, quase sempre, ou em agravos históricos contabilizados desde o tempo da pedra lascada ou na satisfação por uma geografia e geologia generosas.

Isto não é bom nem construtivo, esta não é uma atitude de Estado, etc. etc. Pois pois.

Às vezes dá vontade de retaliar pelo mero prazer de retaliar. Se a Rússia disser «branco», vai apetecer-me dizer «preto». Não significa que o diga, mas apetecer-me, vai vai.

Este é um desses casos, e o leitor ficará mais esclarecido dos detalhes se ler esta notícia do Le Monde. Basta para já dizer que o Ministro da Cultura russo classificou esta obra como sendo "uma vergonha para a Rússia". Daí o valor acrescentado de publicitação que esta obra ganhou:

"Polícias beijando-se", obra do colectivo Blue Noses, 2005

São dois polícias russos, claro. A II Guerra Fria é do pior que há, e pior ainda é que se reúnem todos os ingredientes, incluindo a convicção plena de que é o outro lado que alimenta a questão com as suas atitudes intolerantes e anacrónicas. Temos de dar a volta a isto... Mas antes disso vou publicar a fotografia outra vez!

P.S.: Um dia este blogue terá, esteticamente, o cuidado e o gosto de um Je Maintiendrai ou de um O Jansenista. Por enquanto, a gerência lamenta quaisquer inconvenientes.

P.S. 2: O blogue do José Milhazes, Da Rússia, torna-se leitura imprescindível para saber, em primeiríssima mão, aquilo que por lá se passa. Para mim, informação inestimável.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Contagem decrescente

Desde há muito que este vosso consertista tem-se mostrado desfavorável à independência do Kosovo, e defensor de uma espécie de «plano Otto», por subscrição das declarações do responsável-chefe da UE, Wolfgang Ischinger, no remendo O cinzento fica-vos tão bem.

Agora as coisas precipitam-se, e posso bem dizer-vos que, se a UE não adopta uma posição mais firme, e através da sua Presidência - i.e., Portugal - estará, uma vez mais e sem a ajuda de mais ninguém, a rotular-se a si própria de sociedade comercial e nada mais, de tigre de papel, de anão político, de algo ainda abaixo de sócio minoritário dos EUA.

E já nem falo de impedir a declaração de independência do Kosovo, no próximo dia 10 de Dezembro, porque essa batalha, apesar de ser a certa, parece já perdida para os radicais. Falo do dia seguinte, e das semanas seguintes. Que ninguém reconheça a independência unilateralmente declarada do Kosovo, ponto final, para que esta tenha o valor das declarações de independência da Abcázia e da Ossétia e da Inguchétia e da Transdnístria, e se os EUA quiserem reconhecê-los, então bom proveito. «Não alinhamos com este género de actuação, que é a desaquada às circunstâncias e a menos construtiva de todas.» Uma mensagem simples e inequívoca - seria um bom serviço que a Presidência Portuguesa prestaria à Europa e a Portugal.

Entretanto, e como operação de psicologia de guerra, distribuir gratuitamente a sérvios e kosovares o single, mesmo que em 45 rotações, deste hino à paciência como grande virtude cardeal:



Eu ouço e ouço e ouço, e parece-me útil.

domingo, 25 de novembro de 2007

Uma satisfação meio tola, mas uma satisfação

Dá-me um bocado de vergonha o sorrisito com que escrevo este remendo. Custa-me a admiti-lo, mas admito-o. E o nosso Primeiro aqui está com um ar tão embevecido que seria impossível deixar de apregoar bem alto esta fotografia na blogosfera.

A Galp e a PDVSA assinaram um acordo de cooperação para explorar gás e petróleo na Venezuela, e agora há grandes planos de intercâmbio económico. Houve mediação de Mário Soares, houve negociações de bastidores, houve, julgo eu, um prazer perverso da parte dos decisores nacionais em consorciarem-se com um dos elementos do Eixo da Irritação. Esta é a parte mais ou menos ligeira da coisa. Já agora, fica aqui o mapa da República Bolivariana para que o leitor se situe na dita, com a região dos depósitos de petróleo a vermelho e os depósitos de gás a azul - grosso modo, que eu não grande coisa com o Paint.

Agora vem a parte que dá o título ao remendo. Foi-me despertada com este artigo do El País, em que se dá um destaque especial a esta manobra da diplomacia económica lusitana. A meu ver, não há que fazer grande estardalhaço em torno disto, embora qualquer movimentação portuguesa que provoque estardalhaço, mesmo que só em Espanha, já valha qualquer coisa.

No entanto, é mesmo um fogo fátuo: Espanha e Venezuela vivem o momento que todos conhecemos, e que o Sebastião já referiu em remendo anterior; depois, porque duas empresas petrolíferas a fazer negócio devia ser business as usual - ou um contrato da BP é brindado com Murganheira em Downing Street? - e por fim, porque o correspondente do El País em Portugal, o Miguel Mora, não é, salvo o devido respeito, o mais sensível dos relatores. Mas esta impressão é puramente minha.

Claro que virão dizer que Portugal anda a meter-se com quem não deve, com inimigos do Ocidente, com ditadores populistas demagogos, que estamos a pactuar com os desmandos e com as perfeitas imbecilidades do regime chavista. E se calhar até estamos, até certo ponto.

Sucede que há cerca de 1.200.000 portugueses e luso-descendentes na Venezuela, em quem há que pensar, se não queremos só brincar aos países ou às regiões autónomas europeias (nem digo espanholas...), e que, pela posição particular que ocupam na economia venezuelana, são alvos tentadores para a Revolução Bolivariana; há uma perspectiva de bons negócios para a Galp e de diversificação do abastecimento energético (e isso é importante, e todos os grilos falantes deste mundo também pensam nisso) e, por fim, há esta imagem: Portugal compra a esmagadora maioria do seu petróleo a dois países, nenhum deles monumentos à democracia liberal e participativa - a Nigéria e Angola. É caricato, mas em pergaminhos democráticos o senhor Chávez até possa pedir meças aos nossos outros fornecedores. Mas vem aí o Brasil para redimir-nos!

sábado, 24 de novembro de 2007

A arma secreta - e derradeira

É isto que me vai dando alento nos Estados Unidos, e que me alimenta a confiança naquele país. Pelo meio de tudo o que se faz em nome dela, e depois destes oito anos que vão figurar, certamente, como tristes (no mínimo) na história daquela terra, há estes lampejos magníficos e que só poderiam vir dos EUA.

As primárias no Iowa são a 3 de Dezembro. Já falta mesmo pouco. Espero que o tema se torne um pouco mais recorrente aqui no Conserto. Ó Sebastião, e se fizéssemos um bocadinho de campanha, assim só na brincadeira?



E já agora... este remendo é inteiramente "Chuck approved" - de outra forma, o Chuck já teria saltado do écrã para dar-me meia dúzia de pontapés giratórios.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Estéticas georgianas

Regresso muito tarde ao conserto deste nosso mundo, ausência pela qual - se de facto foi notada por alguém... - peço, contritamente, desculpa. Erros meus, má fortuna e trabalho ingente em minha dispersão se conjuraram.

Venho, espero eu, em companhia marcante. Segui com atenção a situação na Geórgia e fui coleccionando imagens, algo que, em relação à Geórgia, tenho descoberto o gosto de fazer. Não conheço o país, mas conheço-lhe o gosto em vexilologia e agora nos uniformes da polícia de choque. A Geórgia tem uma das bandeiras mais bonitas do mundo, resposta magnífica ao mau gosto que ganhou rédea solta depois do fim da URSS. E a polícia de choque impressiona. Olé aos fotógrafos naqueles dias conturbados.
Este foi o princípio da manifestação.
Falando mais a sério, Sacaachvili pode ser mau e ter instintos autoritários. Com esta polícia de choque, arrisca-se a ganhar o cognome de Darth Vader do Cáucaso. Mas, sinceramente, não lhe conheço alternativa e, mais importante, alternativa que convenha aos interesses do Ocidente, onde Portugal está. Sacaachvili quer à viva força a integração na NATO e na UE, para escapar ao abraço da Rússia; acredita, talvez, que assim respaldado consegue resolver a seu contento os conflitos da Ossétia do Sul e da Abcázia. Talvez. Eu declaro desde já que a integridade territorial da Geórgia é de todo o interesse para nós. Se já não gosto da balcanização dos Balcãs, que dizer da do Cáucaso...
Caberá aos georgianos decidir, e isso acontecerá, espero eu que com garantias democráticas, a 5 de Janeiro. Pode ser que uma tentativa de golpe seja abortada primeiro pela polícia e depois nas urnas. Algo de muito diferente daquilo que se faz noutros lugares, apesar de tudo. A Geórgia, e não só pelo bom gosto em bandeiras, merece melhor.

E este o final.
P.S. Sim, escrevo os nomes alheios com a fonética à portuguesa. Não vejo razão nenhuma para preferir "k" a "c" e "sh" a "ch". Não sei georgiano e não acho que o inglês seja melhor que o português, pelo menos para estes fins.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Vale a pena ler

Vale a pena ler o primeiro grande discurso sobre a União Europeia do Secretário de Estado britânico, David Miliband, no Colégio da Europa, em Bruges, ontem, dia 15. Registo aqui.

Três ideias sobressaem:

1) a Europa tem de aumentar a sua coordenação interna em matéria de defesa e política externa - já não há, nas palavras de Gordon Brown, citado por Miliband, uma diferença entre "over there" e "over here". O desafio não é, neste plano, institucional (contrariamente aos planos franceses que aparentemente passam pela criação de estruturas europeias que dupliquem as da NATO). O desafio é essencialmente político. Se a UE quer ser um actor internacional com peso, tem de assumir as suas responsabilidades e ser capaz de actuar para além da retórica: o Darfur é apenas um dos vários exemplos possíveis.

2) a UE não tem de ser, nem será no que depender do Reino Unido, um superestado. O seu valor acrescentado reside no modelo que foi capaz de criar, alargar e aprofundar. É esse modelo que faz com que países vizinhos queiram aderir e que outras regiões do mundo queiram aprender connosco.

3) o proteccionismo não é a solução para os desafios económicos da UE, nem o caminho a seguir para uma economia que pretenda fazer face à globalização.

São três ideias simples, mas nem sempre evidentes. Não serão megalómanas. Pelo contrário, parecem seguir a tese dos pequenos passos, que tantos resultados tem dado no aprofundamento do projecto europeu.

A meu ver, este discurso não marca necessariamente uma viragem da política externa britânica (a PESD é fruto da vontade do Reino Unido, conjugada com a da França, como se sabe). Mas é uma boa síntese de ideias e projectos que parecem ter sido esquecidos por alguns. E a um ano da Presidência francesa, há referências que não são certamente inocentes.

Em suma, um bom discurso, com boas ideias, que subscrevo na sua quase totalidade (não me revejo, nomeadamente, na ideia de que a futura criação de Zonas de Comércio Livre com alguns Estados da Vizinhança possa ser um prelúdio para um futuro alargamento). Em todo o caso, vale a pena ler.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Um debate interessante

Os EUA estão, neste momento, envolvidos num debate jurídico, mas sobretudo político, muito interessante. Tudo começou quando o Governo iraquiano decidiu iniciar uma investigação sobre o assassinato de cidadãos iraquianos em Bagdade por empregados da firma de segurança privada Blackwater. Continuou depois com a contra-argumentação jurídica dos EUA, segundo a qual todas as firmas privadas que prestavam protecção ao Departamento de Estado no Iraque estavam cobertas por uma garantia de imunidade, concedida no tempo da Autoridade Provisória (Governo pós-Saddam).

Este episódio demonstra o quão importantes são as firmas de segurança privadas no moderno esforço de guerra. A menos que os EUA reintroduzissem a conscrição (algo, certamente, muito pouco popular para uma guerra criticada por grande parte da população norte-americana) nunca seriam capazes de manter no Iraque o número necessário de security personnel assegurado por estas firmas. Ora, o "grito de Ipiranga" do Governo Iraquiano em nada ajuda os EUA a sossegar as firmas que asseguram a protecção dos seus funcionários no terreno. E, se estas começarem a considerar os riscos de processos nos tribunais, pode ser que o esforço de guerra se complique ainda mais.

Tudo isto vem a propósito disto. Parece que o FBI não só investigou a acção da Blackwater como chegou à conclusão de que as mortes causadas pelos seus agentes foram injustificadas. Tal como o Governo Iraquiano sempre sustentou.

Viver num Estado de Direito tem destas chatices. O Executivo bem pode querer fazer um bypass à lei, para assegurar a protecção dos seus interesses externos. Mas se o ramo judiciário considera essas opções injustificáveis, algo tem de mudar. Desconfio que seja isso que vai acontecer com a actuação das firmas de segurança privadas no Iraque. Os resultados até podem vir a ser negativos, mas há valores fundamentais que não podem ser desrespeitados. E, no cenário actual, não só em termos jurídicos (os EUA não estão "em guerra" com o Iraque), como principalmente em termos políticos (já há inimigos suficientes dos EUA no Iraque e não é recomendável criar mais alguns, incluindo o Governo), nada justifica essa garantia de imunidade. Pelo contrário, a sua existência apenas contribui para uma desconfiança desproporcionada em relação aos EUA.
Nada disto significa, note-se, que estes agentes tenham de ficar sujeitos à lei penal iraquiana (ninguém merece!). Há mecanismos passíveis de acordo entre o Governo dos EUA e o do Iraque que permitem que norte-americanos a actuar em certas áreas no território iraquiano fiquem sujeitos à lei penal norte-americana. É o que acontece, por exemplo, com firmas que prestam serviços a outros ramos do Executivo norte-americano. A excepção da Blackwater é, por isso, tão mais incompreensível.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Para nosso divertimento...

Gostei deste espectáculo...



O Rei esteve bem, muito bem! Já é suficiente que o Sr. Chavéz se julgue o salvador popular do povo da Venezuela, suportado por petro-dólares, era o que faltava que agora insultasse pessoas democraticamente eleitas num Estado de Direito e ninguém lhe dissesse nada, a bem de um tão propalado complexo de esquerda, tão marcadamente europeu. O Rei não sucumbiu a essa fraqueza e impôs-se. E bem!

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

The French fries are back

O Presidente Sarkozy está em visita oficial aos EUA, tendo ontem discursado no Congresso dos EUA - o mesmo que, em 2003, se recusou a chamar as batatas fritas de french fries e insistiu na denominação "tão-patrióticos-que-nós-somos-que-não-admitimos-que-um-país-que-não-ganha-uma-guerra-há-décadas-dê-nome-a-um-produto-de-que-tanto-nos-orgulhamos" de liberty fries.
Acho esta aproximação uma boa notícia. O Presidente Chirac não era, em termos de política externa, um actor muito recomendável - digo isto não tanto pelo princípio de oposição à guerra do Iraque, mas pela forma como ele foi encarado, defendido e apregoado (a emancipação da Europa face aos ditames do Império). Isto para não falar da associação ao Sr. Putin - um arauto do que de melhor existe no código genético da Europa, como sabemos.
O Sr. Sarkozy, que pessoalmente não me inspira particular simpatia, cedo se apercebeu, contudo, que os EUA são incontornáveis para a Europa, se esta quiser continuar a ter algum relevo internacional. Washington, sublinhe-se, sempre soube isto (a relação não é unívoca, como comummente se pensa).
A visita a Washington e a ovação de pé que recebeu no discurso do Congresso (quando lá foi o Sr. Chirac, ainda antes do Iraque, houve congressistas que recusaram marcar presença), para não falar do seu conteúdo, que me pareceu apropriado (apoio à guerra no Afeganistão, menção clara da posição francesa de oposição a um Irão nuclear e eventual regresso à estrutura militar conjunta da OTAN), são, por isso, boas notícias.
A Europa e os EUA fazem parte de uma comunidade de valores e, por isso, são mais fortes juntas do que separadas. Não significa isto, contudo, que deva haver políticas de mero seguidismo (mais tradicionais neste lado do Atlântico, convenhamos), como alguns, demogogicamente, tentam fazer crer quando se fala numa relação privilegiada entre a Europa e os EUA.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Uma tortilha em Melilha

A visita dos reis de Espanha a Ceuta e a Melilha, há dois dias, inspirou-me para este remendo. Reflexões curtas:

1. As reivindicações territoriais à revelia das populações dos territórios reivindicados. Um assunto eterno da condição humana, algo que nada, nem ideologias, nem religiões, conseguem mudar. Estas exigências, quando se baseam em argumentos históricos ou geográficos, são coisas que me enternecem. Como se de umas impressões estéticas ou criativas da geografia ou daquilo que os nossos trisavós fizeram ou omitiram possa surgir uma qualquer lógica que destrunfe a vontade e as necessidades de quem habita um qualquer talhão de terreno.

2. Já estou farto de ver a História ser maltratada no que toca a Ceuta. Ceuta foi conquistada por Portugal em 1415. Durante o negrume de 1580-1640 continou a pertencer ao Reino de Portugal, durante a Guerra da Restauração manteve-se leal a Filipe III (IV) e foi formalmente cedida a Castela, ou à monarquia hispânica, ou a Espanha, conforme se preferir, pelo tratado de paz em 1668. A bandeira de Ceuta é ainda hoje aquela que as tropas do concelho de Lisboa içaram na alcáçova aquando da conquista em 1415 - foram as primeiras a lá chegar. Sobrepuseram-se as armas do Reino posteriormente, com as diferenças consistindo na disposição das torres (e não castelos) na bordadura. Assim:

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Os consensos europeus

Ontem foi quebrado um novo recorde. Não do maior assador de castanhas do mundo (é nosso), não do maior arranjo floral para um casamento (também é nosso), mas do tempo que tem demorado à Bélgica formar um novo Governo: 149 dias, mais um do que em 1988 (hoje chegaram aos míticos 150!).
Este facto não é, por si só, preocupante. A Bélgica, aparte das tensões separatistas, não é um país muito interessante sequer com este episódio: as instituições funcionam, os transportes públicos continuam a circular e as pessoas a receber no final do mês. Só há um problema com este país: o de, por consenso não escrito, ser o anfitrião de todos os Conselhos Europeus (os formais, que adoptam conclusões, não os informais, como o de Lisboa).

E este é um problema porque, na sequência da aprovação do Tratado de Lisboa, ficou apalavrado que o Conselho Europeu de Dezembro se realizaria excepcionalmente também em Lisboa, depois da assinatura do Tratado nos Jerónimos, para se poupar o ambiente e passar uma mensagem de saudável consciência ecológica da Europa para o resto do mundo. É aqui que começa o problema. Os belgas não querem. E mais, discutem até se poderão vir assinar o Tratado, já que essa não é uma competência típica de um Governo de gestão.
Ora, vamos nós, depois do mais difícil (assegurar o acordo dos 27 quanto ao novo Tratado) deixar que este país nos tire também este momento? Podem considerar-me provinciano, mas gosto de ver Lisboa e Portugal nas bocas do mundo pelos bons motivos. Tal como acho (pecado mortal...) que é bom e útil termos um Presidente da Comissão português. Por maioria de razão, devíamos ter o Tratado de Lisboa seguido de um Conselho Europeu também em Lisboa. Demais a mais, a razão e a consciência pública estão do nosso lado. Esperemos que vinguem sobre os consensos europeus...

domingo, 4 de novembro de 2007

A excepção cultural francesa

Todos sabemos o quanto a França é especial. Os franceses são os primeiros a sabê-lo, e às vezes até parece que têm medo que nós, os demais europeus, nos possamos esquecer disso. Mas como fazê-lo, meu Deus, depois de quase todos termos sido abrasados pela paixão revolucionária de Robespierres e Dantons, libertados pelos exércitos napoleónicos, e defendidos contra a avalanche nazi por Pétains e Lavals? Isso é inesquecível.

A França não é um país detestável, povoado por gente do pior que há. Pode haver quem pense isso, mas não eu. Em França há coisas absolutamente maravilhosas, quem sabe a principal sendo a língua francesa. O problema com a França é que quem a governa perde a sua credibilidade com demasiada facilidade, mas continua a agir como se nada se passasse. E nós, os que achamos que a França é demasiado importante para a Europa e para o Mundo para se comportar desta forma, deixamos passar. Não pode ser. A França precisa de tough love. Perdão, amour inflexible.

A França do Presidente Sarkozy tem-nos presenteado, neste últimos seis meses, com activismo, liderança, protagonismo, hiper-actividade, "o regresso à política pura", disse-se. Pois sim, talvez. Este seu governo age baseando-se numa ideia de França que é belíssima: ideais universais, uma visão alternativa (julgo que mais simpática e socializante) do capitalismo anglo-saxão e, claro, la gloire. É uma boa base emocional e intelectual para apresentar ao mundo como distintiva da França e ao mesmo tempo como base de uma política externa. E apesar de tudo, aconteceram, e acontecerão, coisas destas:


Nunca mais me esqueci desta nota de rodapé nos jornais. Países mais importantes estavam a atacar e a ser atacados e mereciam bem mais a nossa atenção e o nosso apoio ou repúdio, conforme. Rebentar com a Força Aérea de uma ex-colónia no coração das trevas não conta. Este fenómeno, que cabe mais no rol das opere buffe (em português é cacofónico) do que nas páginas da História, descredibiliza a França - pelo menos é a única conclusão que eu retiro destes episódios e de quem os ordena, na época em que os ordena.

Ocorreu-me tudo isto quando soube que o presidente Sarkozy vai a N'Djamena - sem Cécilia, atenção - negociar a libertação dos europeus implicados no caso "Arca de Zoé", algo de tão tamanhamente sórdido que nem eu me disponho a explorar. Fica aqui a ligação para a notícia mais próxima da fonte: http://www.lemonde.fr/web/article/0,1-0@2-3224,36-974348@51-963882,0.html. Desejo-lhe sorte, e não me surpreende que os franceses tenham do sistema jurídico do Chade a imagem que os ingleses têm do sistema jurídico português. Mas é ou não verdade que o episódio das enfermeiras búlgaras também abalou a credibilidade (pela manha rasteirinha, e ainda por cima bem planeada de antemão para a publicidade) do presidente Sarko?

sábado, 3 de novembro de 2007

Ainda não nos esquecemos

Castigat ridendo mores. Mas mais nada.

Uma nota, no entanto: uma ditadura militar não pode sobreviver se for unicamente baseada no apoio ou na complacência estrangeira. Suponho que tenha de haver muitos birmaneses civis a aceitar e a apoiar o regime. A Indonésia, para dar um exemplo da região, também era uma ditadura militar, e muitos outros exemplos haverá.

Qual a nossa resposta perante este estado de coisas? O isolamento internacional? Concertos e estrelas de Hollywood? Dinheiro e míssieis Stinger para os combatentes pela liberdade do povo Karen? Os regimes repressivos retiram muita da sua força do fecho das suas sociedades ao mundo e também do entrincheiramento em relação às ameaças externas, reais ou fictícias. Há muitos países por este mundo fora que estão orgulhosamente sós, contra tudo e contra todos. Talvez a melhor maneira de dar-lhes a volta (se queremos dar-lhes a volta, naturalmente) seja explorar todas as fendas nas muralhas, e obrigar a máquina «protectora» do Estado a esgotar-se e a cair no absurdo e no medonho, tentando expulsar os malefícios do mundo destes cantinhos bem guardados.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Jornalismo de intervenção


Homem a cavalo: "Soldados, o vosso objectivo é o Norte do Iraque! Em frente, maaaarche!"
Soldado 1: "Mas quem é este gajo? É um general?"
Soldado 2: "Náá - jornalista."

Retirado do muito interessante Istanbul la Turque.

O estudo da influência da Imprensa na definição e condução da política externa, e também das relações entre diplomatas, políticos e jornalistas, é apaixonante, e é algo que merece toda a atenção de quem se interessa pelos destino do seu país. Fenómeno ao mesmo tempo de manipulação das emoções massificadas e de passagem de mensagens mais subtis, encontramos os seus antecedentes mais imediatos nas guerras da unificação alemã (dos Ducados, Austro-Prussiana e Franco-Prussiana), em que o Chanceler Bismark utilizou não só a imprensa do seu país, mas em larga medida a alheia, para desencadear os acontecimentos que serviam os seus propósitos.

O exemplo clássico de uma guerra fabricada pelo spin jornalístico é a Hispano-Americana de 1898. Sobre essa guerra tão ignorada em Portugal vale a pena ler alguns capítulos de "Espanã en 1898, claves del desastre", (Galaxia Gutemberg - Círculo de Leitores) sob a coordenação de Pedro Laín Entralgo e Carlos Seco Serrano.

Em democracia, a política externa já não é coutada das chancelarias, nem de uma casta de entendidos... Mas não é, nem pode ser, um assunto como outro qualquer nas redacções ou nas régies. Todos os implicados precisam de tratar-se uns aos outros com luvas de pelica, sobretudo quando há vidas em jogo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Um mundo que nos separa

Os EUA ofereceram-nos esta semana dois espectáculos em tudo diferentes, que sublinham bem a diferença que existe entre o eleitorado norte-americano e o europeu.
Primeiro foi o Presidente Sarkozy que, depois de inquirido pela CBS sobre a sua mulher (ainda antes do anúncio público de divórcio), abandonou, para espanto da jornalista e gáudio dos espectadores, uma entrevista a meio. Registo aqui.

Depois foi o Senador Barack Obama a dar um show de dança num talk-show de Ellen Degeneres (agora remetida à day-time TV). Registo aqui e apreciação popular aqui. Isto depois da sua mulher ter publicamente revelado que o Senador deixa a roupa espalhada pela casa e que ressona de noite.

Estes dois exemplos ilustram bem o quão diferentes e separados são o universo político e eleitoral norte-americano e europeu. Aqui, no velho continente, a ninguém passaria pela cabeça, numa entrevista daquela índole (o 60 Minutes não é o Caras Notícias!), perguntar a um candidato pela sua mulher. Lembram-se dos boatos sobre o PM nas legislativas de 2005? Nem aí isso foi tópico de discussão nas televisões. Nos EUA, pelo contrário, a vida privada é tão ou mais importante do que o registo de actividades públicas. Do lado de lá do Atlântico, pensa-se que importa não só o que se faz enquanto titular de um cargo, mas também no que se faz enquanto se ocupa o cargo.

Há direita religiosa que não vota Bush

Ou se calhar nem sequer vota de todo, porque "há quem" tenha direito de voto, e eles devem achar que isso ofende o Todo-Poderoso:

http://www.timesonline.co.uk/tol/news/world/us_and_americas/article2783974.ece

Quem quiser saber mais (há pior que isto, acreditem), vá aqui.

Este é, provavelmente, o remendo mais desmiolado até agora no blogue, ultrapassando aquele em que fui dado como apoiante de base do candidato Dennis Kucinich. Por acaso vale a pena voltar a essa ligação, à medida que as primárias do Iowa se aproximam (3 de Janeiro) e a super-potência vai a votos.

Com este remendo espero contribuir para dar um pouquinho de surreal aos dias dos leitores d'O Conserto das Nações. Abraços e agradecimentos a todos, a ponderação e a realidade recomeçam dentro de momentos.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Como não sou egoísta...

Venho partilhar um dos meus mais utilizados links dos meus anos de Universidade e que me acompanha em consultas semanais. Trata-se do site do John E. Pike, o http://www.globalsecurity.org/, "the best of the net!" segundo a revista Forbes.

É capaz de ser dos mais completos do género com a vantagem de ser meramente factual. Apresenta factos, dados, análises, sempre com absoluta isenção. Claro que sendo norte-americano, tende a recolher material de interesse estratégico norte-americano.

Mas melhor do que a minha descrição, é ler esta informação sobre uma região que está na berra, mesmo que os jornais nacionais e internacionais (que se repetem uns aos outros, numa orgia auto-fágica de informação) estejam "a leste" do que realmente se passa na região.

http://www.globalsecurity.org/military/world/iraq/kirkuk.htm


e sobre os players em campo... http://www.asianews.it/view.php?l=en&art=6885

e voltar à consulta do site... http://www.globalsecurity.org/military/industry/halliburton.htm

Explorem este site... são horas de diversão e informação!!!!

Outra chatice...


O Médio Oriente em geral e o Curdistão em particular são uma chatice, uma dor de cabeça. São daqueles temas de que toda a gente fala, mas de que pouca gente percebe. Este post insere-se na primeira categoria, mas hélas...

O PKK, depois de quebrar o último cessar-fogo que unilateralmente declarou, atacou, como se sabe, um conjunto de soldados turcos, matando uns quantos e, assim, criando o ambiente político certo em Ankara para a aprovação de uma resolução parlamentar autorizando o Governo Erdogan a entrar a matar. O PKK refugia-se no Curdistão iraquiano - a única área que beneficiou da invasão norte-americana e que agora regista níveis simpáticos de crescimento e desenvolvimento económicos, aliados a uma relativa prosperidade. Não só pela relativa homogeneidade do território, mas também pela reduzida dependência em relação ao Governo de Bagdade. É aqui que começa a chatice. Esta é ainda maior se considerarmos a perspectiva norte-americana: o Curdistão tem sido apontado como um exemplo a seguir pelas restantes províncias iraquianas e qualquer desestabilização decorrente de uma invasão turca destruiría não só o exemplo, como criaria as necessárias condições para que os curdos espalhados por outros países da região (ver mapa) se sublevassem, apoiando o PKK. O cenário de desunião do início dos anos 90, quando alguns generais curdos lutaram ao lado de Ankara para derrotar o PKK dificilmente se repetiria.

Agora chega a parte da dor de cabeça. Terá a Turquia o direito de fazer o que pretende fazer? Modestamente, acho que sim. Depois dos precedentes criados pelos EUA e admitidos até pelo CSONU, aquando das guerras da Somália e do Afeganistão, um país que tenha sido atacado por uma organização terrorista, que seja protegida e utilize o território de um Estado, pode ser perseguida, atacada, destruída pelo Estado atacado no território do harbouring state. Demais a mais, se os EUA viram no Iraque uma ameaça a milhares de km de distância, que dizer de Ankara que está mesmo ali ao lado.

Os estrategistas militares duvidam que a intervenção ocorra agora, às portas do Inverno. Os diplomatas esperam por uma solução negociada, que dê algum protagonismo ao Governo central de Bagdade e acalme os espíritos de Ankara. Os soldados querem sangue. O povo turco, suspeito, também! Vamos ver o que acontece.

domingo, 28 de outubro de 2007

Há limites

Este remendo, aviso já, vai roçar os limites do politicamente correcto. Aliás, interpretado de forma mais ou menos lata, até pode arranjar-me complicações com as autoridades deste e e outros países. Vá, coragem.

Este remendo versa a vindoura Cimeira UE-África, e a a maçada que é para a nossa Presidência da UE, que tem dados aqueles frutos que gostamos de ostentar, como a Cimeira UE-Brasil e a assinatura do Tratado, e que até tem servido para projectar uma imagem bastante positiva da nossa terra; a maçada, dizia, que é para a nossa Presidência o regime do Sr. Mugabe ainda existir.

Maça também a insistência asinina dos regimes africanos em alinhar e respaldar com a sua solidariedade o regime bestial (de besta, mesmo) que o referido Sr. instaurou naquele país; não sei se alguém já lhes chamou a atenção para o facto de que associar-se a um regime moribundo pega mal e só demonstra a escassa esperança de vida daqueles que se lhe associam. "Ah, são imperativos de política interna, têm de mostrar-se solidários." A política externa também tem imperativos, e não menos prementes que os internos - têm é de ser tornados bem claros.

Maçam também os Estados-membros que, fora o Reino Unido, dizem que não vêm a uma Cimeira onde haja ditadores. Pois claro, há grilinhos falantes que nos arengam do alto de elevadíssmos padrões civilizacionais. Está tudo dito quanto a esses nossos irmãos comunitários.

Há limites para o grau de desonra que podemos aceitar; é que quem nos atrapalha mais este pequeno êxito de que alimentam as políticas externas dos países (mais) pequenos, é esta gente.
Há também um serviço de informações que poderia dedicar-se, entre outras actividades, a causar acidentes apenas ligeiramente incapacitantes a ditadores execráveis, sem que o Mundo ficasse infinitamente mais pobre por isso. Estarei a exagerar?

Regressando à Terra, desta questiúncula desagradável podemos retirar a conclusão, triste, de que nem Portugal, nem outros intervenientes tradicionais na área (o Reino Unido), nem mesmo a UE enquanto tal tem influência ou poder de dissuasão suficiente para fazer desta Cimeira um êxito, como conviria. Conviria a Portugal, primeiro que tudo, e conviria aos Estados africanos. Não que da Cimeira fossem resultar grandes soluções para os problemas globais, mas como sinal de compromisso e mesmo de respeitabilidade de quem nela participasse.

Ou então a realização da Cimeira só convém mesmo a Portugal, porque quer mais uma estrelinha na constelação da sua Presidência, e há outros que ou não estão nem aí ou que querem organizar a conferência na sua Presidência, enquanto ela é rotativa. Talvez não seja a Eslovénia, no entanto.

Por último, resta-me aplaudir (sinceramente) a coragem do nosso Executivo ao planear a Cimeira. Foi uma aposta, e ainda vai a tempo de correr bem, mas pode muito bem dar para o torto. Acredito que, ao planear a Presidência, tenham pensado "em Dezembro de 2007 o homem ou já morreu ou o regime caiu". E teriam fundamento para acreditar nisso. Mas não. O regime arrasta-se, entre decretos a cortar a inflação para metade (para uns 4000% ao ano) e entre ajustes de contas tribais. Quanto mais escrevo mais me convenço de que há limites. Esperemos pelo melhor.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Um ventinho frio

Vamos ter a XX Cimeira UE-Rússia na próxima Sexta-feira, dia 26, em Mafra. O MNE russo, Serguei Lavrov, deu uma entrevista à Lusa que vale bem a pena conhecer. Vou aqui transcrever (com a devida vénia aos Josés Meirelles e Milhazes) algumas das afirmações do ministro, comentando-as:

Serguei Lavrov, em entrevista por escrito exclusiva à Agência Lusa e pesando o actual estado das relações entre o seu país e Bruxelas, sublinha que, devido aos alargamentos, a União Europeia (UE) se tornou “menos uniforme”. “As últimas decisões da UE fixaram essa heterogeneidade”, assegura o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, expressando o “desejo sincero” de que os 27 superem a “doença de crescimento” para formarem “um sistema harmonioso de tomada de decisões sobre o seu posterior desenvolvimento”. “Uma UE forte, eficaz, que não permita o recuo para o passado nacionalista e populista, corresponderia (…) aos interesses (…) dos seus parceiros, incluindo a Rússia”, garante.

- A Rússia não gosta de qualquer alargamento da UE, como não gostou do desmantelamento do "talude soviético", nas suas vertentes política, militar, económica e cultural. Qualquer ex-Estado satélite que se junte ou à UE ou à NATO é sentido como uma derrota em Moscovo. Talvez vá além da racionalidade, esta reacção, e acho-a compreensível. A perspectiva de Moscovo parece ser esta: os Estados da Europa Central/Oriental pertenciam a um bloco político-estratégico, agora pertencem a outro; os blocos opõem-se, é essa a sua natureza e propósito, e desta perspectiva crua de política de poder Moscovo não sai. Daí vir dizer-nos que a UE é "heterogénea", que há elementos muito diferentes, que chocam, e cuja assimilação vai levar tempo antes de novo alargamento... "Não façam novos alargamentos, tenham calma..."

- E quanto a passados nacionalistas e populistas, o MNE russo está bem habilitado a falar, porque vive num país em que nacionalismo e populismo são o presente. Mas o de alguns EM da UE (não digo nomes) são maus e agressivos, e o da Rússia é justo, bom, belo e defensivo.

Lavrov discorda do facto de a “solidariedade europeísta” ser “frequentemente utilizada para exercer pressão sobre a Rússia”, visando “arrancar cedências políticas, ou económicas” nas suas relações com terceiros. “Semelhante atitude de alguns países comunitários não é claramente construtiva”, lamenta, admitindo que “não contribui para a solução dos problemas” e até divide as “próprias fileiras” da UE. “A solidariedade europeia não deve ser uma amizade contra alguém, pelo contrário", precisa.

- Cá está: a Rússia defende apenas o que é seu. Vê-se rodeada de gente poderosa e ávida de riquezas (como bálticos e caucasianos, por exemplo), e precisa de defender-se. A UE pressiona, quase violenta a Rússia, ao exigir estabilidade no fornecimento de gás e de petróleo e reciprocidade no tratamento às empresas; a UE repudia truques sujos como "avarias" em oleodutos e pirataria informática a EM que desagradam a Moscovo. Mas não devia nem exigir nem repudiar, porque a Rússia só se defende.

- A UE divide-se a si própria, outra grande verdade. Algo de que, ao acontecer efectivamente (Nord-Stream, carne polaca), a Rússia não se aproveita nem manipula para sua vantagem. Até parece que as boas práticas estão do lado da Rússia.

No entanto, Lavrov frisa que “a Rússia, ao realizar a “opção europeia”, deve “conservar a liberdade de definição e realização da sua política interna e externa”. Moscovo - adianta - está “interessada na manutenção e desenvolvimento multilateral das relações com os países da Comunidade de Estados Independentes (CEI) - formada pelas antigas repúblicas soviéticas, menos as bálticas Estónia, Letónia e Lituânia -, com os Estados Unidos, China, Índia e com os novos centros mundiais emergentes na região do Sudeste da Ásia”, o que corresponde igualmente aos interesses da UE.

- A Rússia é um pólo em si mesma, já sabemos, e já sabemos que a Rússia não vai deixar ninguém intrometer-se nas suas políticas interna ou externa, porque a Rússia é maior e mais forte e está a defender-se. E a CEI é território off limits para vocês.

O chefe da diplomacia de Moscovo recorda que o Presidente Vladimir Putin, num texto de Março dedicado ao 50.º aniversário do Tratado de Roma, concluía não poder “existir uma completa unidade do (…) continente enquanto a Rússia não se tornar parte orgânica do processo europeu”. “A interdependência positiva no sector energético (…) cria boas premissas para a posterior aproximação em todas as outras áreas de cooperação”, conclui Lavrov.

- Que «parte orgânica» é esta que não abdica de liberdade nas políticas interna e externa? E se quanto à interdependência energética estamos mais que esclarecidos, esta é tão positiva, mas tão positiva, que já nos pôs a todos na UE a pensar em renováveis, em projectos de partilha estratégica de recursos e em alternativas desesperadas aos hidrocarbonetos russos. Mas é verdade que, havendo confiança e estabilidade nessa área, outras poderão seguir-se. É só passar dois ou três Natais sem ameaçar fechar a torneira.

O tom do remendo é beligerante, eu admito, e explica-se essencialmente através de duas frustrações: a primeira, que é a de já não se conseguir saber quem começou a provocar quem e quem falhou em primeiro lugar a aproximação, que entendo tão útil e desejável, entre a Europa Ocidental e a Rússia; a segunda, é a de ver na Rússia todo o potencial e capacidade para gerar esse mesmo entendimento, mas não o fazer por opções (ou imperativos) de política interna e de conservação da estrutura de poder. A Rússia sairia reforçada de um relacionamento próximo e franco com a Europa Ocidental; prefere desperdiçar as suas - e as nossas - energias em confrontos.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

A trilhar o caminho do Tratado

Na esteira dos comentários ao Tratado de Lisboa, há duas questões em particular que me suscitam curiosidade, não tanto no plano da execução dos cargos (que dependerá, em grande medida, da pessoa escolhida para os exercer), mas no do seu impacto na prossecução do tão proclamado objectivo de se atingir uma maior coerência na acção externa da UE, no caso da primeira, e de se assegurar uma maior democraticidade do projecto europeu, no caso da segunda.


Em primeiro lugar, interrogo-me sobre a compatibilidade dos cargos de Alto Representante para a Política Externa e o de Presidente do Conselho Europeu. Neste momento, no plano externo, há uma divisão, nem sempre clara para terceiros, mas que a nós europeus já nos habituámos, entre a Comissária para as Relações Externas e o Alto Representante. O futuro titular deste último cargo assumirá também o de Comissário (sendo, inclusive, Vice-Presidente da Comissão). Ora, o futuro Presidente do Conselho Europeu terá também como incumbência representar a UE no plano externo. Veremos como se vão conciliar papéis, vontades e personalidades...


Em segundo lugar, e os contornos desta questão, tanto quanto sei, ainda não estão plenamente definidos, importará ver como se vai processar na prática a solução imaginativa de fazer com que o Presidente do PE não seja um deputado. Como é que vai ser? Elegem-se 751 pessoas, mas destas só 750 serão deputados? Qual o estatuto da que sobra? Continuará a ser possível repartir, como tem vindo a ser hábito, a Presidência do PE pelos dois maiores grupos políticos? Poderá alguém ser Presidente do PE nos primeiros dois anos e meio e depois ser deputado? Como vai ser? Perdem-se direitos que se conquistaram quando se foi eleito e volta-se a tê-los quando se deixa de ser Presidente? Neste caso, não estamos nas mãos de vontades ou personalidades. Estamos nas mãos de juristas. O que nos deve deixar muito mais descansados!

Murganheira III - O Alto-Representante, etc. etc.

Segunda nota neste passeio pelo Tratado - o Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (ARNEPS).

Quere-se que o ARNEPS seja uma personagem particularmente importante desta UE revitalizada. Tem assento quer no Conselho quer na Comissão, por exemplo, e tem um nome comprido, o que também ajuda na altura de impor respeito. Se vier um dia a ser um português, com a nossa moda de nomes extensos, e porque não podemos ofender nem o pai nem a mãe, nem o trisavô de quem herdámos o "Onofre", teremos pompa e circunstância na altura de ser anunciado. Lembra a carta que Carlos V endereçou a Francisco I de França, em que o rol dos títulos do remetente ocupava toda a primeira página. O rei de França assinou a resposta "Francisco, senhor de A e B" (não me lembro dos nomes exactos), duas aldeolas perto de Paris.

O cargo é importante: é a figura que vai ser a ponta de lança da Política Externa Europeia. E aí bate o ponto. Vai poder viajar muito, vai encontrar-se com toda a gente, vai até poder falar com autoridade em alguns assuntos. Mas, como até agora e como não pode deixar de ser, a ameaça mais séria que vai poder fazer é: "Se não fizer o que queremos, olhe que a UE fica muito zangada e não desbloqueia as verbas para que os seus idosos tenham banda larga para poder ver o Youtube mais depressa". Se calhar estou a ser injusto: acho que até é possível impedir que os Mujahedin do Povo sejam retirados da lista de organizações terroristas.

A Política Externa Europeia é o que é, não vou dizer grandes novidades, acho... Pelo menos ponham lá alguém que perceba de Comércio Externo, sempre seria mais útil para a nossa União Europeia, S.A..

Murganheira II - a Presidência

Agora que já praticamente toda a gente se esqueceu da Cimeira Informal de Lisboa e do acordo sobre o Tratado de Lisboa, podemos abalançar-nos a pensar em algumas das implicações que o Tratado de Lisboa vai ter para Portugal e para a União.

Há mudanças, e profundas, na estrutura de funcionamento das instituições. Olhemos para esta:

Presidência permanente do Conselho: a Presidência por turnos tinha um efeito salutar, não só sobre o Estado-membro que a ocupava, mas também sobre os demais: ao primeiro, porque tinha de amansar, ou pelo menos camuflar, a veemência na defesa da agenda própria, por ter a obrigação de facilitar acordos entre todos, e este exercício, por doloroso que fosse, permitia por vezes granjear a boa vontade dos outros; aos demais, porque sabiam que um dia eles próprios estariam naquela cadeira, e desejariam fazer da sua própria Presidência um êxito. Nada mais natural.

Agora já não vai ser necessariamente assim. A bem de uma "coerência" e "eficácia" na gestão dos trabalhos do Conselho, vai haver uma Presidência permanente do Conselho, o único órgão da UE que representa os Estados-membros enquanto tais. Vai ser interessante ver qual o grau de protagonismo que um Presidente da União vai ter, e interessante também a deriva rumo a acordos mais ou menos estáveis e públicos entre Estados-membros com entendimentos semelhantes sobre questões fundamentais (orçamento, energia, alargamento, etc.). A Presidência permanente torna o Conselho ainda mais inter-governamental, uma arena pura para a defesa dos interesses individuais dos Estados, quando a Presidência rotativa deitava água nessa fervura.

É melhor ou pior para Portugal? À (minha) primeira vista não é bom, mas não é dramático. O caminho para não sermos marginalizados nas tomadas de decisão dentro da UE não passa necessariamente por deter a Presidência; passa sim pela projecção para o exterior das capacidades e desempenhos políticos internos. Todos os Estados-membros mais pequenos perderão alguma projecção, é certo. Dificilmente um Presidente do Conselho será oriundo de um Estado-membro pequeno - aliás, pode dar-se o fenómeno de reservar-se a Comissão para um «pequeno», para dar pitoresco, e o Conselho para um «grande».

Perante o facto consumado, resta esperar que haja vontade e recursos para tentar corrigir aqui o défice crónico de portugueses em posições de chefia na administração comunitária. Acho que são estas as armas com que se combate em prol do futuro... da União, claro. Outros aspectos do Tratato de Lisboa mais tarde.

sábado, 20 de outubro de 2007

Desculpe mas era Murganheira

Obstáculos informáticos impediram-me de remendar ontem, dia de gáudio generalizado na nossa terra, pelo baptismo do novo Tratado. É claro que queríamos forçosamente baptizar o menino aqui no jardim à beira-mar plantado, e a alegria é especialmente por isso, parece-me bem; uma análise noutro tom, necessariamente mais sério, vai seguir-me muito em breve, provavelmente depois da final do Campeonato Mundial de Râguebi.

Entretanto, celebremos. Há motivos para isso. Pode ser que deixemos para trás os assuntos de gestão da nossa grande UE - Sociedade Anónima e que nos concentremos em assuntos que não estes, meramente operacionais. Não digo que sejam os assuntos fundamentais, nem que se vão fazer as escolhas certas, mas também não sou futurólogo; só que andar a fazer contas aos deputados e às percentagens de rerpesentação é maçador e não dá bom material para escrever.
E sim, estou a render-me a truques menos subtis para atrair visitantes ao nosso blogue. Quem se sentir ofendido, incomodado ou não achar graça, pode ir ouvir mil vezes o hino que a Pipoca Mais Doce partilhou connosco no seu post de 18 de Outubro. Obrigado, Pipoca, obrigado José Sócrates PM, obrigado à simpática Bar Refaeli (ao lado da garrafa) e obrigado a todos os que colaboraram com este grande projecto que é, e será, o Tratado de Lisboa.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

E agora?


O Tratado de Lisboa (recuso-me a chamá-lo de Tratado Reformador...) foi aprovado hoje de madrugada e logo começaram as análises sobre o que muda; o que se mantém; o que parece que muda, mas que na realidade fica igual; o que dizem que fica igual, mas aparentemente muda. Começou também o debate acerca da forma de aprovação do Tratado. Ratificação parlamentar ou referendo?

Tenho uma posição de princípio desfavorável à realização de referendos, principalmente em matérias de política externa, por vários motivos. Em primeiro lugar, a proliferação de referendos não me parece muito recomendável numa democracia representativa, em que Governo e Parlamento são eleitos precisamente para tomar e assumir decisões (e o assumir aqui é de importância capital). Em segundo lugar, as campanhas referendárias tendem a assumir a forma de debates partidários e não de discussões sobre o que se pretende ratificar. Acresce que o sistema político não tenta sequer evitar esse fenómeno, ao fomentar ele próprio a assunção pelos partidos políticos de posições dogmáticas sobre o objecto do referendo. Em terceiro lugar, a política externa é tradicionalmente uma área opaca, que a generalidade da população conhece mal e sobre a qual tem uma opinião não necessariamente positiva. Dada a forma como tradicionalmente decorrem as campanhas políticas em Portugal, desconfio que um referendo ao Tratado de Lisboa se processasse de forma muito diferente.

Por tudo isto, deixemos ao Parlamento a responsabilidade de discutir e aprovar o Tratado, não como uma forma de evitarmos um embaraço externo, em caso de chumbo do dito em referendo (são coisas que acontecem...), mas simplesmente porque não parece provada a utilidade do referendo.