Os EUA estão, neste momento, envolvidos num debate jurídico, mas sobretudo político, muito interessante. Tudo começou quando o Governo iraquiano decidiu iniciar uma investigação sobre o assassinato de cidadãos iraquianos em Bagdade por empregados da firma de segurança privada Blackwater. Continuou depois com a contra-argumentação jurídica dos EUA, segundo a qual todas as firmas privadas que prestavam protecção ao Departamento de Estado no Iraque estavam cobertas por uma garantia de imunidade, concedida no tempo da Autoridade Provisória (Governo pós-Saddam).
Este episódio demonstra o quão importantes são as firmas de segurança privadas no moderno esforço de guerra. A menos que os EUA reintroduzissem a conscrição (algo, certamente, muito pouco popular para uma guerra criticada por grande parte da população norte-americana) nunca seriam capazes de manter no Iraque o número necessário de security personnel assegurado por estas firmas. Ora, o "grito de Ipiranga" do Governo Iraquiano em nada ajuda os EUA a sossegar as firmas que asseguram a protecção dos seus funcionários no terreno. E, se estas começarem a considerar os riscos de processos nos tribunais, pode ser que o esforço de guerra se complique ainda mais.
Tudo isto vem a propósito disto. Parece que o FBI não só investigou a acção da Blackwater como chegou à conclusão de que as mortes causadas pelos seus agentes foram injustificadas. Tal como o Governo Iraquiano sempre sustentou.
Viver num Estado de Direito tem destas chatices. O Executivo bem pode querer fazer um bypass à lei, para assegurar a protecção dos seus interesses externos. Mas se o ramo judiciário considera essas opções injustificáveis, algo tem de mudar. Desconfio que seja isso que vai acontecer com a actuação das firmas de segurança privadas no Iraque. Os resultados até podem vir a ser negativos, mas há valores fundamentais que não podem ser desrespeitados. E, no cenário actual, não só em termos jurídicos (os EUA não estão "em guerra" com o Iraque), como principalmente em termos políticos (já há inimigos suficientes dos EUA no Iraque e não é recomendável criar mais alguns, incluindo o Governo), nada justifica essa garantia de imunidade. Pelo contrário, a sua existência apenas contribui para uma desconfiança desproporcionada em relação aos EUA.
Nada disto significa, note-se, que estes agentes tenham de ficar sujeitos à lei penal iraquiana (ninguém merece!). Há mecanismos passíveis de acordo entre o Governo dos EUA e o do Iraque que permitem que norte-americanos a actuar em certas áreas no território iraquiano fiquem sujeitos à lei penal norte-americana. É o que acontece, por exemplo, com firmas que prestam serviços a outros ramos do Executivo norte-americano. A excepção da Blackwater é, por isso, tão mais incompreensível.
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