terça-feira, 25 de março de 2008

A Aliança

Regresso, depois de um longo período de ausência, para escrever sobre um assunto que tem, em Portugal, passado um pouco despercebido, mas que é essencial não só para a segurança da zona euro-atlântica, mas também, e consequentemente, para o conjunto das relações da UE com a Rússia. Refiro-me à próxima Cimeira da NATO em Bucareste, em que deverão ser aprovados os Membership Action Plans (antecâmaras de uma futura adesão) da Albânia, da Croácia e, provavelmente, da Macedónia (se a Grécia aceitar um compromisso sobre o nome do país). Preocupante, contudo, é a discussão que terá igualmente lugar sobre as aspirações de adesão da Ucrânia e da Geórgia.
Há Estados-membros da Aliança, com os EUA à cabeça, que apoiam fortemente a adesão de Kiev e de Tiblissi. Do lado de cá do Atlântico, contudo, a perspectiva é um pouco mais comedida e, a meu ver, mais realista.

A NATO é uma aliança de defesa que, com o fim da Guerra-fria, precisou de uns anos para encontrar o seu novo rumo, após o colapso da sua raison d'être (a URSS). Foi um processo complexo, mas a Rússia continua a pairar na cabeça de muitos Estados, principalmente da Europa de Leste, como uma ameaça real. A NATO, hoje em dia, não tem um inimigo claro e identificado, levando a que a célebre máxima que levou à sua criação ("keep the americans in, the germans down and the russians out") tenha perdido muita da sua actualidade. Houve, e continua a haver, claros sinais de uma crise de identidade na Aliança, que, após 1991, liderou, pela primeira vez, uma intervenção armada e está agora envolvida na sua primeira guerra. Durante alguns anos o debate foi sobre as out-of-area operations. Este é um assunto hoje em dia resolvido - as fronteiras são hoje em dia de interesses e estes defendem-se onde for preciso, mesmo que em Cabul.

A putativa adesão da Ucrânia e da Geórgia apenas complica este cenário e demonstra que a crise identitária se mantém. Numa altura em que a postura perante a Rússia deveria ser de unidade, firmeza e coerência, há Estados que ainda acreditam que é necessário manter a Russia out. Para isso é necessário cercá-la de todos os lados e admitir Kiev e Tiblissi no círculo dos Estados amantes da paz e da liberdade. Nada de mais errado. Que eles amem a paz e a liberdade óptimo. Que tenham relações privilegiadas com a Aliança fantástico. Que a ela adiram nem pensar, pelo menos num futuro próximo. A Rússia tem ainda hoje um profundo complexo de menoridade e cercá-la dessa forma apenas o iria exacerbar, com graves custos não só para a Ucrânia e para a Geórgia (as relações comerciais seriam as primeiras a sofrer e muito) mas para o conjunto dos Estados-membros da Aliança, o que, é certo, confirmaria os receios dos Estados da Europa de Leste, quanto ao urso russo. Contudo, evitar a adesão não só adoçaria o urso como lhe demonstraria que a Aliança já não está orientada contra Moscovo e que espera da Rússia uma atitudade cooperante nos mais variados assuntos. E neste plano a dura verdade é que nos temos comportado mal com Moscovo. Por um lado exigimos mais e melhor cooperação. Queremos ser amigos. Por outro espetamos-lhe facadas destas nas costas. É, no mínimo, insensato. E feio.

Por mais que custe a alguns, ainda há Estados que devem funcionar como buffer zones. O conceito, recorde-se, não se aplica apenas a situações em que do outro lado esteja um inimigo. Ele é igualmente válido nos casos em que do outro lado está um país enorme, particularmente sensível e militarmente significativo, que não convém nada atiçar. Mais uma vez a escolha é entre o confronto e a cooperação. Conscientemente, quem, podendo optar pela segunda, escolhe a primeira?

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