Pode parecer um tema no mínimo deslocado num blog dedicado a assuntos de política externa. No entanto, basta olharmos para um mapa e para uns quantos indicadores económicos para nos apercebermos do enorme impacto e das possíveis consequências negativas que a recente deriva, senão mesmo obsessão, pelos biocombustíveis pode originar.
O que me preocupa não é o mérito da solução - não sou especialista, nem pretendo ser. Há, de resto, estudos com os mais díspares resultados quanto à eficácia dos biocombustíveis na redução da emissão de gases com efeito de estufa. Olhar para a proveniência desses estudos também é um exercício interessante, mas não é dele que me pretendo ocupar por agora.
O que está em causa são as consequências geopolíticas desta decisão. Não são poucos os autores que defendem que os conflitos no século XXI vão ser em larga medida função da escasez de recursos naturais (como se, até agora, não o tivessem sido igualmente!). Se passarmos de uma economia dependente em larga medida de petróleo para uma assente na transformação em combustível de cereais não vejo porque não estabelecer também aqui uma ligação.
Acresce que há zonas do mundo em que a competição por terra arável é já uma realidade - se à básica necessidade de alimentação de populações acrescentarmos um enorme benefício económico na forma de combustíveis só podemos imaginar o que vai acontecer.
Por outro lado, a água potável é cada vez mais um bem escasso, e igualmente motivo para fortes desavenças e possíveis futuros conflitos (the Middle East comes to mind), pelo que desviá-la para plantações com um maior e provavelmente mais rápido retorno económico não parece uma solução muito inteligente.
Há igualmente que ponderar a ligação há muito estabelecida entre segurança e desenvolvimento. Se considerarmos que hoje não falamos em fronteiras territoriais, mas antes em fronteiras de interesse não é igualmente um exercício muito difícil concluir quais as consequências no primeiro vector (segurança) de uma diminuição do segundo (desenvolvimento), mercê de uma quebra assinalável da oferta de cereais básicos.
Podemos igualmente pensar nas consequências para a economia global que um aumento considerável dos preços dos cereais acarretará. Se as metas propostas pela UE vierem, de facto, a ser plenamente assumidas, as oscilações a que temos assistidos na bolsa de Chicago, por exemplo, terão apenas tendência para se eternizar.
Finalmente há a magna questão ética. Neste ponto (e tal como o Economist apenas neste) concordo com Fidel Castro. Uma solução que aposta aposta no desvio de cereais para a produção de combustíveis, levando, assim, a um aumento do seu preço, quando a fome mundial é o que se sabe, não me parece eticamente muito louvável.
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