segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Pesos e medidas

Eu teria preferido deixar passar o assunto e vê-lo perder-se nas brumas dos Himalaias; tê-lo-ia feito, aliás, se o gesto, ou falta dele, tivesse ficado por aí. No entanto, o Eng.º Sócrates forçou-me as pontas dos dedos e tenho mesmo de preparar este remendo.

Não é que eu ache que, pelo facto de o Dalai Lama ter sido expoliado do seu poder temporal pelas hordas chinesas, de ser o líder espiritual de uma religião que está na moda e de ser uma figura simpática e acarinhada por nós no Ocidente, que qualquer governante tem de largar tudo para ir recebê-lo. Não defendo nem simpatizo, de modo nenhum, com a situação que a China criou e mantém no Tibete; mas fico sempre com a impressão de que a «política dos princípios» tem muito mais a ver com os fins, de política interna ou externa, de quem a prega, do que realmente com idealismos.

Mal estará um governo português que toma decisões com impacto na sua política externa para agradar a toda a gente que é defensora dos anexados, genocidados e, globalmente, oprimidos. Por isso, até nem me pareceu mal a solução acinzentanda que Portugal encontrou para acomodar o Dalai Lama: quem o recebe é a 2.ª figura da ordem constitucional, numa esfera oficialmente fora do poder do Executivo, e o Presidente da Câmara da capital do país; ficam de fora a Chefia do Estado e a Chefia do Governo.

Uma das coisas que mais me custa nesta vida, além de ver a defesa da Selecção de futebol, é assistir a fazer-se e pensar-se política com base em preconceitos. Um preconceito é, por exemplo, partir do princípio que tudo o que o Dalai Lama faz e diz é bom, e que aparecer-nos assim, quando somos a presidência da UE e temos uma cimeira UE-China em Novembro, é perfeitamente inocente e não pretende obter dividendos políticos. Ainda por cima, este raciocínio simplista acaba por retirar relevância política à questão tibetana e volta-se contra quem está realmente empenhado em algum tipo de progresso nesse capítulo. Enfim. Veja-se isto, como exemplo de ondulação política - simbólica, é certo.

Dito tudo isto... custa-me mais ainda ver que o Executivo não recebe o Dalai Lama, mas no mesmo dia abre as portas de São Bento ao Bob Geldof. Tal como o Bono e outros beneméritos, auto-intitulados defensores dos africanos (em geral, que no fundo no fundo são todos iguais) e conhecedores profundos dos males e patifarias que os Europeus e Ocidentais fizeram à África (porque aquilo é tudo a mesma coisa). Eu leria sem dramas a primeira frase deste parágrafo, oração por oração, em separado, em alturas distintas. O problema é que estão juntas. E o nosso Governo passou uma mensagem um bocado esquisita a quem lhe prestou atenção.

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