sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O Ártico

Nunca prestámos muita atenção ao Ártico, reconheça-se. Faz frio no Ártico, e as nossas navegações e deslocações são sempre no sentido de onde está quentinho - sempre e sempre para Sul. Ainda por cima o Vasco descobriu o caminho marítimo que ia mesmo dar à Índia e à China, conformámo-nos com a distância da Rota do Cabo, e por isso nunca andámos às voltas entre icebergues e morsas. Quem se mete em atalhos mete-se em trabalhos.

No entanto, o Ártico é importante, essencialmente porque está a derreter. Já desde a I Guerra Fria que era o ponto de contacto mais directo entre as superpotências; agora, ao arrefecimento progressivo das relações entre a Rússia e o Ocidente corresponde o aquecimento global e o descerrar das riquezas mirabolantes (reais e imaginárias) no seu leito marinho. As potências movimentam-se e seria positivo não só a UE, como Portugal, terem pelo menos uma posição, ou algo a dizer. Este artigo dá-nos um princípio de abordagem a partir de uma das potências interessadas, e é um bom ponto de partida para o aprofundar do conhecimento sobre estas paragens remotas - mas cada vez mais próximas.

É sabido que os russos estão a treinar ursos polares para colocar bandeiras em titânio e matrioscas em folha de Flandres por todo o leito do Oceano Ártico. Este é uma fotografia raríssima, obtida pelo Conserto das Nações a partir de uma fonte que protegeremos enquanto não for demasiado doloroso, de uma sessão de treino desse projecto.

Dá trabalho, mas deve compensar

Falar, discutir, negociar, reconhecer no outro um interlocutor válido, mesmo que com ele nem sempre se concorde, dá trabalho, implica um processo moroso e complicado, comporta o risco de se ser mal interpretado por alguns, mas, at the end of the day, compensa.
A Conferência de Annapolis e a sua lista de participantes são disto um exemplo. Ninguém esperava que desta reunião saísse uma solução final para o Processo de Paz do Médio Oriente. Contudo, o facto de se terem sentado à mesma mesa países e respectivos dirigentes com visões diametralmente opostas e antagónicas (mesmo que não se cumprimentando entre si), é um bom sinal. Deu-se início (como parece sempre acontecer no final do mandato dos Presidentes dos EUA) a um processo em que as partes se comprometeram a discutir e a dialogar. Tenho dúvidas sobre o seu sucesso, mas sempre é melhor que nada. De facto, olhando para o Médio Oriente, fico um pouco como o outro, que vai para a cama idealista, mas se levanta realista.
Digno de nota é o convite à Síria, um Estado que os EUA não se cansam de rotular como patrocinador do terrorismo. Representada a nível de Vice-MNE, a Síria não estará de regresso ao Concerto das Nações, mas deu, certamente, um bom passo para se certificar de que, havendo desenvolvimentos, será parte deles e não um mero espectador.
Este é, a meu ver, um bom princípio em relações internacionais: mais vale dialogar do que, pura e simplesmente, ignorar Estados que têm influência (goste-se ou não) na possível resolução de um problema. Esta abordagem terá, certamente, os seus limites: it takes two to tango, como bem se sabe. Mas, normalmente, países como a Síria preferem ser vistos como partes de um processo do que ignorados e postos de lado - estratégia que, normalmente, não dá bons resultados.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Com amigos destes

Falta pouco mais de um mês para terminar a última Presidência Portuguesa da UE (nos moldes em que esta decorreu, pelo menos - à luz do novo Tratado de Lisboa criar-se-á o cargo de Presidente do Conselho Europeu [ocupado actualmente pelo PM Sócrates] e o Alto Representante da PESC presidirá aos Conselhos de Relações Externas [como faz actualmente o Ministro Amado]).

Este não é, pois, o momento de fazer balanços. Mas já há sinais do que poderá vir a acontecer no próximo ano. A Eslovénia ocupará a Presidência no 1º Semestre e a França no 2º. Este post deve-se a Paris. Nas vésperas da Cimeira UE-China, o Presidente Sarkozy foi a Pequim transmitir as preocupações francesas com o crescente défice comercial entre a UE e a China e com a não valorização do yuan. Foram também estas as mensagens que Sócrates transmitiu ao PM Chinês ontem. Este tipo de atitude não fica bem Paris, não valoriza a tão procurada imagem de coerência externa da União, nem ajuda à sua credibilização face a países terceiros.

Em política externa, não deveria haver lugar a invejas ou precipitações. Sarkozy é as duas: invejoso e precipitado. Duvido que o resultado, no 2º Semestre, venha a ser famoso.

Dia 2...

O dia 2 de Dezembro vai ser um dia em que devemos estar atentos a dois países em particular: Rússia e Venezuela. Nesta última, Chavez, esse democrata de credenciais evidentes para todos, submete a referendo as alterações constitucionais que, entre outras pérolas, eliminará os limites aos mandatos presidenciais e criará cinco categorias de propriedade, das quais a privada é apenas uma (e a última).
Na Rússia, haverá eleições para a Duma. Para aqueles que ainda pensam no país de Putin como uma democracia, vale a pena ler isto. Duvido que na Venezuela seja muito diferente.
Ser democrata não é só ganhar eleições. É permitir que todos expressem as suas opiniões, que os meios de comunicação social sejam livres de fazer as suas opções editoriais, que ninguém seja intimidado a votar num determinado partido.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Só para contrariar

Não, este remendo não é dedicado a uma banda de axé. É dedicado à Rússia e muito em especial, com muito carinho, a S.Exa. o Ministro da Cultura, o Sr. Alexandre Sokolov.

A Rússia vai adoptando, com crescente veemência e, até parece, gostinho, uma atitude de recusa das práticas e atitudes europeias; confronta pelo facto de confrontar, assentando em argumentos que redundam, quase sempre, ou em agravos históricos contabilizados desde o tempo da pedra lascada ou na satisfação por uma geografia e geologia generosas.

Isto não é bom nem construtivo, esta não é uma atitude de Estado, etc. etc. Pois pois.

Às vezes dá vontade de retaliar pelo mero prazer de retaliar. Se a Rússia disser «branco», vai apetecer-me dizer «preto». Não significa que o diga, mas apetecer-me, vai vai.

Este é um desses casos, e o leitor ficará mais esclarecido dos detalhes se ler esta notícia do Le Monde. Basta para já dizer que o Ministro da Cultura russo classificou esta obra como sendo "uma vergonha para a Rússia". Daí o valor acrescentado de publicitação que esta obra ganhou:

"Polícias beijando-se", obra do colectivo Blue Noses, 2005

São dois polícias russos, claro. A II Guerra Fria é do pior que há, e pior ainda é que se reúnem todos os ingredientes, incluindo a convicção plena de que é o outro lado que alimenta a questão com as suas atitudes intolerantes e anacrónicas. Temos de dar a volta a isto... Mas antes disso vou publicar a fotografia outra vez!

P.S.: Um dia este blogue terá, esteticamente, o cuidado e o gosto de um Je Maintiendrai ou de um O Jansenista. Por enquanto, a gerência lamenta quaisquer inconvenientes.

P.S. 2: O blogue do José Milhazes, Da Rússia, torna-se leitura imprescindível para saber, em primeiríssima mão, aquilo que por lá se passa. Para mim, informação inestimável.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Contagem decrescente

Desde há muito que este vosso consertista tem-se mostrado desfavorável à independência do Kosovo, e defensor de uma espécie de «plano Otto», por subscrição das declarações do responsável-chefe da UE, Wolfgang Ischinger, no remendo O cinzento fica-vos tão bem.

Agora as coisas precipitam-se, e posso bem dizer-vos que, se a UE não adopta uma posição mais firme, e através da sua Presidência - i.e., Portugal - estará, uma vez mais e sem a ajuda de mais ninguém, a rotular-se a si própria de sociedade comercial e nada mais, de tigre de papel, de anão político, de algo ainda abaixo de sócio minoritário dos EUA.

E já nem falo de impedir a declaração de independência do Kosovo, no próximo dia 10 de Dezembro, porque essa batalha, apesar de ser a certa, parece já perdida para os radicais. Falo do dia seguinte, e das semanas seguintes. Que ninguém reconheça a independência unilateralmente declarada do Kosovo, ponto final, para que esta tenha o valor das declarações de independência da Abcázia e da Ossétia e da Inguchétia e da Transdnístria, e se os EUA quiserem reconhecê-los, então bom proveito. «Não alinhamos com este género de actuação, que é a desaquada às circunstâncias e a menos construtiva de todas.» Uma mensagem simples e inequívoca - seria um bom serviço que a Presidência Portuguesa prestaria à Europa e a Portugal.

Entretanto, e como operação de psicologia de guerra, distribuir gratuitamente a sérvios e kosovares o single, mesmo que em 45 rotações, deste hino à paciência como grande virtude cardeal:



Eu ouço e ouço e ouço, e parece-me útil.

domingo, 25 de novembro de 2007

Uma satisfação meio tola, mas uma satisfação

Dá-me um bocado de vergonha o sorrisito com que escrevo este remendo. Custa-me a admiti-lo, mas admito-o. E o nosso Primeiro aqui está com um ar tão embevecido que seria impossível deixar de apregoar bem alto esta fotografia na blogosfera.

A Galp e a PDVSA assinaram um acordo de cooperação para explorar gás e petróleo na Venezuela, e agora há grandes planos de intercâmbio económico. Houve mediação de Mário Soares, houve negociações de bastidores, houve, julgo eu, um prazer perverso da parte dos decisores nacionais em consorciarem-se com um dos elementos do Eixo da Irritação. Esta é a parte mais ou menos ligeira da coisa. Já agora, fica aqui o mapa da República Bolivariana para que o leitor se situe na dita, com a região dos depósitos de petróleo a vermelho e os depósitos de gás a azul - grosso modo, que eu não grande coisa com o Paint.

Agora vem a parte que dá o título ao remendo. Foi-me despertada com este artigo do El País, em que se dá um destaque especial a esta manobra da diplomacia económica lusitana. A meu ver, não há que fazer grande estardalhaço em torno disto, embora qualquer movimentação portuguesa que provoque estardalhaço, mesmo que só em Espanha, já valha qualquer coisa.

No entanto, é mesmo um fogo fátuo: Espanha e Venezuela vivem o momento que todos conhecemos, e que o Sebastião já referiu em remendo anterior; depois, porque duas empresas petrolíferas a fazer negócio devia ser business as usual - ou um contrato da BP é brindado com Murganheira em Downing Street? - e por fim, porque o correspondente do El País em Portugal, o Miguel Mora, não é, salvo o devido respeito, o mais sensível dos relatores. Mas esta impressão é puramente minha.

Claro que virão dizer que Portugal anda a meter-se com quem não deve, com inimigos do Ocidente, com ditadores populistas demagogos, que estamos a pactuar com os desmandos e com as perfeitas imbecilidades do regime chavista. E se calhar até estamos, até certo ponto.

Sucede que há cerca de 1.200.000 portugueses e luso-descendentes na Venezuela, em quem há que pensar, se não queremos só brincar aos países ou às regiões autónomas europeias (nem digo espanholas...), e que, pela posição particular que ocupam na economia venezuelana, são alvos tentadores para a Revolução Bolivariana; há uma perspectiva de bons negócios para a Galp e de diversificação do abastecimento energético (e isso é importante, e todos os grilos falantes deste mundo também pensam nisso) e, por fim, há esta imagem: Portugal compra a esmagadora maioria do seu petróleo a dois países, nenhum deles monumentos à democracia liberal e participativa - a Nigéria e Angola. É caricato, mas em pergaminhos democráticos o senhor Chávez até possa pedir meças aos nossos outros fornecedores. Mas vem aí o Brasil para redimir-nos!

sábado, 24 de novembro de 2007

A arma secreta - e derradeira

É isto que me vai dando alento nos Estados Unidos, e que me alimenta a confiança naquele país. Pelo meio de tudo o que se faz em nome dela, e depois destes oito anos que vão figurar, certamente, como tristes (no mínimo) na história daquela terra, há estes lampejos magníficos e que só poderiam vir dos EUA.

As primárias no Iowa são a 3 de Dezembro. Já falta mesmo pouco. Espero que o tema se torne um pouco mais recorrente aqui no Conserto. Ó Sebastião, e se fizéssemos um bocadinho de campanha, assim só na brincadeira?



E já agora... este remendo é inteiramente "Chuck approved" - de outra forma, o Chuck já teria saltado do écrã para dar-me meia dúzia de pontapés giratórios.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Estéticas georgianas

Regresso muito tarde ao conserto deste nosso mundo, ausência pela qual - se de facto foi notada por alguém... - peço, contritamente, desculpa. Erros meus, má fortuna e trabalho ingente em minha dispersão se conjuraram.

Venho, espero eu, em companhia marcante. Segui com atenção a situação na Geórgia e fui coleccionando imagens, algo que, em relação à Geórgia, tenho descoberto o gosto de fazer. Não conheço o país, mas conheço-lhe o gosto em vexilologia e agora nos uniformes da polícia de choque. A Geórgia tem uma das bandeiras mais bonitas do mundo, resposta magnífica ao mau gosto que ganhou rédea solta depois do fim da URSS. E a polícia de choque impressiona. Olé aos fotógrafos naqueles dias conturbados.
Este foi o princípio da manifestação.
Falando mais a sério, Sacaachvili pode ser mau e ter instintos autoritários. Com esta polícia de choque, arrisca-se a ganhar o cognome de Darth Vader do Cáucaso. Mas, sinceramente, não lhe conheço alternativa e, mais importante, alternativa que convenha aos interesses do Ocidente, onde Portugal está. Sacaachvili quer à viva força a integração na NATO e na UE, para escapar ao abraço da Rússia; acredita, talvez, que assim respaldado consegue resolver a seu contento os conflitos da Ossétia do Sul e da Abcázia. Talvez. Eu declaro desde já que a integridade territorial da Geórgia é de todo o interesse para nós. Se já não gosto da balcanização dos Balcãs, que dizer da do Cáucaso...
Caberá aos georgianos decidir, e isso acontecerá, espero eu que com garantias democráticas, a 5 de Janeiro. Pode ser que uma tentativa de golpe seja abortada primeiro pela polícia e depois nas urnas. Algo de muito diferente daquilo que se faz noutros lugares, apesar de tudo. A Geórgia, e não só pelo bom gosto em bandeiras, merece melhor.

E este o final.
P.S. Sim, escrevo os nomes alheios com a fonética à portuguesa. Não vejo razão nenhuma para preferir "k" a "c" e "sh" a "ch". Não sei georgiano e não acho que o inglês seja melhor que o português, pelo menos para estes fins.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Vale a pena ler

Vale a pena ler o primeiro grande discurso sobre a União Europeia do Secretário de Estado britânico, David Miliband, no Colégio da Europa, em Bruges, ontem, dia 15. Registo aqui.

Três ideias sobressaem:

1) a Europa tem de aumentar a sua coordenação interna em matéria de defesa e política externa - já não há, nas palavras de Gordon Brown, citado por Miliband, uma diferença entre "over there" e "over here". O desafio não é, neste plano, institucional (contrariamente aos planos franceses que aparentemente passam pela criação de estruturas europeias que dupliquem as da NATO). O desafio é essencialmente político. Se a UE quer ser um actor internacional com peso, tem de assumir as suas responsabilidades e ser capaz de actuar para além da retórica: o Darfur é apenas um dos vários exemplos possíveis.

2) a UE não tem de ser, nem será no que depender do Reino Unido, um superestado. O seu valor acrescentado reside no modelo que foi capaz de criar, alargar e aprofundar. É esse modelo que faz com que países vizinhos queiram aderir e que outras regiões do mundo queiram aprender connosco.

3) o proteccionismo não é a solução para os desafios económicos da UE, nem o caminho a seguir para uma economia que pretenda fazer face à globalização.

São três ideias simples, mas nem sempre evidentes. Não serão megalómanas. Pelo contrário, parecem seguir a tese dos pequenos passos, que tantos resultados tem dado no aprofundamento do projecto europeu.

A meu ver, este discurso não marca necessariamente uma viragem da política externa britânica (a PESD é fruto da vontade do Reino Unido, conjugada com a da França, como se sabe). Mas é uma boa síntese de ideias e projectos que parecem ter sido esquecidos por alguns. E a um ano da Presidência francesa, há referências que não são certamente inocentes.

Em suma, um bom discurso, com boas ideias, que subscrevo na sua quase totalidade (não me revejo, nomeadamente, na ideia de que a futura criação de Zonas de Comércio Livre com alguns Estados da Vizinhança possa ser um prelúdio para um futuro alargamento). Em todo o caso, vale a pena ler.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Um debate interessante

Os EUA estão, neste momento, envolvidos num debate jurídico, mas sobretudo político, muito interessante. Tudo começou quando o Governo iraquiano decidiu iniciar uma investigação sobre o assassinato de cidadãos iraquianos em Bagdade por empregados da firma de segurança privada Blackwater. Continuou depois com a contra-argumentação jurídica dos EUA, segundo a qual todas as firmas privadas que prestavam protecção ao Departamento de Estado no Iraque estavam cobertas por uma garantia de imunidade, concedida no tempo da Autoridade Provisória (Governo pós-Saddam).

Este episódio demonstra o quão importantes são as firmas de segurança privadas no moderno esforço de guerra. A menos que os EUA reintroduzissem a conscrição (algo, certamente, muito pouco popular para uma guerra criticada por grande parte da população norte-americana) nunca seriam capazes de manter no Iraque o número necessário de security personnel assegurado por estas firmas. Ora, o "grito de Ipiranga" do Governo Iraquiano em nada ajuda os EUA a sossegar as firmas que asseguram a protecção dos seus funcionários no terreno. E, se estas começarem a considerar os riscos de processos nos tribunais, pode ser que o esforço de guerra se complique ainda mais.

Tudo isto vem a propósito disto. Parece que o FBI não só investigou a acção da Blackwater como chegou à conclusão de que as mortes causadas pelos seus agentes foram injustificadas. Tal como o Governo Iraquiano sempre sustentou.

Viver num Estado de Direito tem destas chatices. O Executivo bem pode querer fazer um bypass à lei, para assegurar a protecção dos seus interesses externos. Mas se o ramo judiciário considera essas opções injustificáveis, algo tem de mudar. Desconfio que seja isso que vai acontecer com a actuação das firmas de segurança privadas no Iraque. Os resultados até podem vir a ser negativos, mas há valores fundamentais que não podem ser desrespeitados. E, no cenário actual, não só em termos jurídicos (os EUA não estão "em guerra" com o Iraque), como principalmente em termos políticos (já há inimigos suficientes dos EUA no Iraque e não é recomendável criar mais alguns, incluindo o Governo), nada justifica essa garantia de imunidade. Pelo contrário, a sua existência apenas contribui para uma desconfiança desproporcionada em relação aos EUA.
Nada disto significa, note-se, que estes agentes tenham de ficar sujeitos à lei penal iraquiana (ninguém merece!). Há mecanismos passíveis de acordo entre o Governo dos EUA e o do Iraque que permitem que norte-americanos a actuar em certas áreas no território iraquiano fiquem sujeitos à lei penal norte-americana. É o que acontece, por exemplo, com firmas que prestam serviços a outros ramos do Executivo norte-americano. A excepção da Blackwater é, por isso, tão mais incompreensível.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Para nosso divertimento...

Gostei deste espectáculo...



O Rei esteve bem, muito bem! Já é suficiente que o Sr. Chavéz se julgue o salvador popular do povo da Venezuela, suportado por petro-dólares, era o que faltava que agora insultasse pessoas democraticamente eleitas num Estado de Direito e ninguém lhe dissesse nada, a bem de um tão propalado complexo de esquerda, tão marcadamente europeu. O Rei não sucumbiu a essa fraqueza e impôs-se. E bem!

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

The French fries are back

O Presidente Sarkozy está em visita oficial aos EUA, tendo ontem discursado no Congresso dos EUA - o mesmo que, em 2003, se recusou a chamar as batatas fritas de french fries e insistiu na denominação "tão-patrióticos-que-nós-somos-que-não-admitimos-que-um-país-que-não-ganha-uma-guerra-há-décadas-dê-nome-a-um-produto-de-que-tanto-nos-orgulhamos" de liberty fries.
Acho esta aproximação uma boa notícia. O Presidente Chirac não era, em termos de política externa, um actor muito recomendável - digo isto não tanto pelo princípio de oposição à guerra do Iraque, mas pela forma como ele foi encarado, defendido e apregoado (a emancipação da Europa face aos ditames do Império). Isto para não falar da associação ao Sr. Putin - um arauto do que de melhor existe no código genético da Europa, como sabemos.
O Sr. Sarkozy, que pessoalmente não me inspira particular simpatia, cedo se apercebeu, contudo, que os EUA são incontornáveis para a Europa, se esta quiser continuar a ter algum relevo internacional. Washington, sublinhe-se, sempre soube isto (a relação não é unívoca, como comummente se pensa).
A visita a Washington e a ovação de pé que recebeu no discurso do Congresso (quando lá foi o Sr. Chirac, ainda antes do Iraque, houve congressistas que recusaram marcar presença), para não falar do seu conteúdo, que me pareceu apropriado (apoio à guerra no Afeganistão, menção clara da posição francesa de oposição a um Irão nuclear e eventual regresso à estrutura militar conjunta da OTAN), são, por isso, boas notícias.
A Europa e os EUA fazem parte de uma comunidade de valores e, por isso, são mais fortes juntas do que separadas. Não significa isto, contudo, que deva haver políticas de mero seguidismo (mais tradicionais neste lado do Atlântico, convenhamos), como alguns, demogogicamente, tentam fazer crer quando se fala numa relação privilegiada entre a Europa e os EUA.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Uma tortilha em Melilha

A visita dos reis de Espanha a Ceuta e a Melilha, há dois dias, inspirou-me para este remendo. Reflexões curtas:

1. As reivindicações territoriais à revelia das populações dos territórios reivindicados. Um assunto eterno da condição humana, algo que nada, nem ideologias, nem religiões, conseguem mudar. Estas exigências, quando se baseam em argumentos históricos ou geográficos, são coisas que me enternecem. Como se de umas impressões estéticas ou criativas da geografia ou daquilo que os nossos trisavós fizeram ou omitiram possa surgir uma qualquer lógica que destrunfe a vontade e as necessidades de quem habita um qualquer talhão de terreno.

2. Já estou farto de ver a História ser maltratada no que toca a Ceuta. Ceuta foi conquistada por Portugal em 1415. Durante o negrume de 1580-1640 continou a pertencer ao Reino de Portugal, durante a Guerra da Restauração manteve-se leal a Filipe III (IV) e foi formalmente cedida a Castela, ou à monarquia hispânica, ou a Espanha, conforme se preferir, pelo tratado de paz em 1668. A bandeira de Ceuta é ainda hoje aquela que as tropas do concelho de Lisboa içaram na alcáçova aquando da conquista em 1415 - foram as primeiras a lá chegar. Sobrepuseram-se as armas do Reino posteriormente, com as diferenças consistindo na disposição das torres (e não castelos) na bordadura. Assim:

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Os consensos europeus

Ontem foi quebrado um novo recorde. Não do maior assador de castanhas do mundo (é nosso), não do maior arranjo floral para um casamento (também é nosso), mas do tempo que tem demorado à Bélgica formar um novo Governo: 149 dias, mais um do que em 1988 (hoje chegaram aos míticos 150!).
Este facto não é, por si só, preocupante. A Bélgica, aparte das tensões separatistas, não é um país muito interessante sequer com este episódio: as instituições funcionam, os transportes públicos continuam a circular e as pessoas a receber no final do mês. Só há um problema com este país: o de, por consenso não escrito, ser o anfitrião de todos os Conselhos Europeus (os formais, que adoptam conclusões, não os informais, como o de Lisboa).

E este é um problema porque, na sequência da aprovação do Tratado de Lisboa, ficou apalavrado que o Conselho Europeu de Dezembro se realizaria excepcionalmente também em Lisboa, depois da assinatura do Tratado nos Jerónimos, para se poupar o ambiente e passar uma mensagem de saudável consciência ecológica da Europa para o resto do mundo. É aqui que começa o problema. Os belgas não querem. E mais, discutem até se poderão vir assinar o Tratado, já que essa não é uma competência típica de um Governo de gestão.
Ora, vamos nós, depois do mais difícil (assegurar o acordo dos 27 quanto ao novo Tratado) deixar que este país nos tire também este momento? Podem considerar-me provinciano, mas gosto de ver Lisboa e Portugal nas bocas do mundo pelos bons motivos. Tal como acho (pecado mortal...) que é bom e útil termos um Presidente da Comissão português. Por maioria de razão, devíamos ter o Tratado de Lisboa seguido de um Conselho Europeu também em Lisboa. Demais a mais, a razão e a consciência pública estão do nosso lado. Esperemos que vinguem sobre os consensos europeus...

domingo, 4 de novembro de 2007

A excepção cultural francesa

Todos sabemos o quanto a França é especial. Os franceses são os primeiros a sabê-lo, e às vezes até parece que têm medo que nós, os demais europeus, nos possamos esquecer disso. Mas como fazê-lo, meu Deus, depois de quase todos termos sido abrasados pela paixão revolucionária de Robespierres e Dantons, libertados pelos exércitos napoleónicos, e defendidos contra a avalanche nazi por Pétains e Lavals? Isso é inesquecível.

A França não é um país detestável, povoado por gente do pior que há. Pode haver quem pense isso, mas não eu. Em França há coisas absolutamente maravilhosas, quem sabe a principal sendo a língua francesa. O problema com a França é que quem a governa perde a sua credibilidade com demasiada facilidade, mas continua a agir como se nada se passasse. E nós, os que achamos que a França é demasiado importante para a Europa e para o Mundo para se comportar desta forma, deixamos passar. Não pode ser. A França precisa de tough love. Perdão, amour inflexible.

A França do Presidente Sarkozy tem-nos presenteado, neste últimos seis meses, com activismo, liderança, protagonismo, hiper-actividade, "o regresso à política pura", disse-se. Pois sim, talvez. Este seu governo age baseando-se numa ideia de França que é belíssima: ideais universais, uma visão alternativa (julgo que mais simpática e socializante) do capitalismo anglo-saxão e, claro, la gloire. É uma boa base emocional e intelectual para apresentar ao mundo como distintiva da França e ao mesmo tempo como base de uma política externa. E apesar de tudo, aconteceram, e acontecerão, coisas destas:


Nunca mais me esqueci desta nota de rodapé nos jornais. Países mais importantes estavam a atacar e a ser atacados e mereciam bem mais a nossa atenção e o nosso apoio ou repúdio, conforme. Rebentar com a Força Aérea de uma ex-colónia no coração das trevas não conta. Este fenómeno, que cabe mais no rol das opere buffe (em português é cacofónico) do que nas páginas da História, descredibiliza a França - pelo menos é a única conclusão que eu retiro destes episódios e de quem os ordena, na época em que os ordena.

Ocorreu-me tudo isto quando soube que o presidente Sarkozy vai a N'Djamena - sem Cécilia, atenção - negociar a libertação dos europeus implicados no caso "Arca de Zoé", algo de tão tamanhamente sórdido que nem eu me disponho a explorar. Fica aqui a ligação para a notícia mais próxima da fonte: http://www.lemonde.fr/web/article/0,1-0@2-3224,36-974348@51-963882,0.html. Desejo-lhe sorte, e não me surpreende que os franceses tenham do sistema jurídico do Chade a imagem que os ingleses têm do sistema jurídico português. Mas é ou não verdade que o episódio das enfermeiras búlgaras também abalou a credibilidade (pela manha rasteirinha, e ainda por cima bem planeada de antemão para a publicidade) do presidente Sarko?

sábado, 3 de novembro de 2007

Ainda não nos esquecemos

Castigat ridendo mores. Mas mais nada.

Uma nota, no entanto: uma ditadura militar não pode sobreviver se for unicamente baseada no apoio ou na complacência estrangeira. Suponho que tenha de haver muitos birmaneses civis a aceitar e a apoiar o regime. A Indonésia, para dar um exemplo da região, também era uma ditadura militar, e muitos outros exemplos haverá.

Qual a nossa resposta perante este estado de coisas? O isolamento internacional? Concertos e estrelas de Hollywood? Dinheiro e míssieis Stinger para os combatentes pela liberdade do povo Karen? Os regimes repressivos retiram muita da sua força do fecho das suas sociedades ao mundo e também do entrincheiramento em relação às ameaças externas, reais ou fictícias. Há muitos países por este mundo fora que estão orgulhosamente sós, contra tudo e contra todos. Talvez a melhor maneira de dar-lhes a volta (se queremos dar-lhes a volta, naturalmente) seja explorar todas as fendas nas muralhas, e obrigar a máquina «protectora» do Estado a esgotar-se e a cair no absurdo e no medonho, tentando expulsar os malefícios do mundo destes cantinhos bem guardados.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Jornalismo de intervenção


Homem a cavalo: "Soldados, o vosso objectivo é o Norte do Iraque! Em frente, maaaarche!"
Soldado 1: "Mas quem é este gajo? É um general?"
Soldado 2: "Náá - jornalista."

Retirado do muito interessante Istanbul la Turque.

O estudo da influência da Imprensa na definição e condução da política externa, e também das relações entre diplomatas, políticos e jornalistas, é apaixonante, e é algo que merece toda a atenção de quem se interessa pelos destino do seu país. Fenómeno ao mesmo tempo de manipulação das emoções massificadas e de passagem de mensagens mais subtis, encontramos os seus antecedentes mais imediatos nas guerras da unificação alemã (dos Ducados, Austro-Prussiana e Franco-Prussiana), em que o Chanceler Bismark utilizou não só a imprensa do seu país, mas em larga medida a alheia, para desencadear os acontecimentos que serviam os seus propósitos.

O exemplo clássico de uma guerra fabricada pelo spin jornalístico é a Hispano-Americana de 1898. Sobre essa guerra tão ignorada em Portugal vale a pena ler alguns capítulos de "Espanã en 1898, claves del desastre", (Galaxia Gutemberg - Círculo de Leitores) sob a coordenação de Pedro Laín Entralgo e Carlos Seco Serrano.

Em democracia, a política externa já não é coutada das chancelarias, nem de uma casta de entendidos... Mas não é, nem pode ser, um assunto como outro qualquer nas redacções ou nas régies. Todos os implicados precisam de tratar-se uns aos outros com luvas de pelica, sobretudo quando há vidas em jogo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Um mundo que nos separa

Os EUA ofereceram-nos esta semana dois espectáculos em tudo diferentes, que sublinham bem a diferença que existe entre o eleitorado norte-americano e o europeu.
Primeiro foi o Presidente Sarkozy que, depois de inquirido pela CBS sobre a sua mulher (ainda antes do anúncio público de divórcio), abandonou, para espanto da jornalista e gáudio dos espectadores, uma entrevista a meio. Registo aqui.

Depois foi o Senador Barack Obama a dar um show de dança num talk-show de Ellen Degeneres (agora remetida à day-time TV). Registo aqui e apreciação popular aqui. Isto depois da sua mulher ter publicamente revelado que o Senador deixa a roupa espalhada pela casa e que ressona de noite.

Estes dois exemplos ilustram bem o quão diferentes e separados são o universo político e eleitoral norte-americano e europeu. Aqui, no velho continente, a ninguém passaria pela cabeça, numa entrevista daquela índole (o 60 Minutes não é o Caras Notícias!), perguntar a um candidato pela sua mulher. Lembram-se dos boatos sobre o PM nas legislativas de 2005? Nem aí isso foi tópico de discussão nas televisões. Nos EUA, pelo contrário, a vida privada é tão ou mais importante do que o registo de actividades públicas. Do lado de lá do Atlântico, pensa-se que importa não só o que se faz enquanto titular de um cargo, mas também no que se faz enquanto se ocupa o cargo.

Há direita religiosa que não vota Bush

Ou se calhar nem sequer vota de todo, porque "há quem" tenha direito de voto, e eles devem achar que isso ofende o Todo-Poderoso:

http://www.timesonline.co.uk/tol/news/world/us_and_americas/article2783974.ece

Quem quiser saber mais (há pior que isto, acreditem), vá aqui.

Este é, provavelmente, o remendo mais desmiolado até agora no blogue, ultrapassando aquele em que fui dado como apoiante de base do candidato Dennis Kucinich. Por acaso vale a pena voltar a essa ligação, à medida que as primárias do Iowa se aproximam (3 de Janeiro) e a super-potência vai a votos.

Com este remendo espero contribuir para dar um pouquinho de surreal aos dias dos leitores d'O Conserto das Nações. Abraços e agradecimentos a todos, a ponderação e a realidade recomeçam dentro de momentos.