sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Ainda sobre o referendo ao Tratado...

Confesso que por considerar este blog como sendo de política externa, não estava com vontade de falar sobre 'O Referendo' ao Tratado de Lisboa, matéria que considero iminentemente de política interna. Contudo, e atento à miriade de comentários e opiniões tão absurdas como demagógicas, venho apresentar a minha posição sobre o assunto, talvez um pouco 'legalista' (eu sei, sou assim) mas julgo que a mais sensata.
Na Constituição da República Portuguesa (CRP), na sua PARTE III (Organização do poder político), TÍTULO III (Assembleia da República), CAPÍTULO II (Competência), Artigo 161.º(Competência política e legislativa), podemos ler na alínea i):
"i) Aprovar os tratados, designadamente os tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa, de rectificação de fronteiras e os respeitantes a assuntos militares, bem como os acordos internacionais que versem matérias da sua competência reservada ou que o Governo entenda submeter à sua apreciação;"
e logo a seguir, na alínea j):
"j) Propor ao Presidente da República a sujeição a referendo de questões de relevante interesse nacional;"
Da simples leitura deste articulado, podemos retirar o seguinte:
- que é à AR (e não ao Povo) que compete a aprovação de tratados.
- que o referendo serve para 'questões de relevante interesse nacional', excluindo quase automaticamente 'aprovações' de tratados de qualquer espécie, forma ou feitio.
Posto isto, gostava de dizer o seguinte: elegemos os nossos representantes democraticamente, para que em Democracia, actuem em nome da Sociedade que os elegeu. Ora, se a Assembleia da República (AR) considera que não é competente para aprovar o Tratado de Lisboa (a julgar pelo coro de vozes que clama por 'REFERENDO JÁ'), sugiro que se faça um referendo à existência (ou não) da própria Assembleia porque se a cada decisão dificil, o Parlamento decide referendar (por medo da opinião pública ou por estratégia política) para quê uma alínea i) na CRP?
Creio que o espírito do constitucionalista era o de garantir que a AR era um ORGÃO DE SOBERANIA e não a 'feira demagogica' em que se tornou.
Considero que deve ser a Assembleia, no exercício das suas competências, a aprovar o Tratado, mas se o Primeiro Ministro deseja fazer as coisas bem, devia então propôr à AR a realização de um referendo, não para aprovar um Tratado mas para sondar a opinião dos portugueses sobre que futuro querem para Portugal na Europa, para o tema ser debatido e discutido, falado e explicado e para que os portugueses se sintam confortáveis com a nova Europa.. Trata-se de um tema muito sério, com reais implicações para o país, que não deve ser tratado demagogicamente pelos partidos políticos.
A César o que é de César!

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Niccolo:

Deduzo das suas palavras que defende a ratificação do Tratado de Lisboa por via parlamentar, interrogo-me, no entanto, sobre a utilidade de um referendo para sondar a opinião dos portugueses, se, como defende, esta é matéria da competência da Assembleia da República. A nossa Constituição não prevê a existência referendos opinativos, pelo contrário, o instituto do referendo tem por objecto questões específicas e objectivas normalmente decidias pela Assembleia da República ou pelo Governo. São questões de natureza político-legislativa, assumindo, como sabemos, eficácia vinculativa sempre que o número de votantes é superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento.

Tendo em mente a posição assumidamente “legalista” que defende pergunto-me, ainda, se não haverá alguma precipitação em afirmar que é à AR (e não ao povo) que compete a aprovação de tratados, ainda mais quando se trata de fundamentar uma opção, quanto a mim, eminentemente política. É que não é apenas a alínea i) e j) do artigo 161.º da CRP que se versam sobre esta temática. Deixando de lado leituras parcelares, trago à colação o disposto no n.º 5 do artigo 115.º da CRP, segundo o qual podem ser submetidas a referendo questões que devam ser de objecto de convenção internacional, nos termos da alínea i) do artigo 161.º da Constituição. Mais especificamente, invoco o preceito contido no artigo 295.º da CRP, introduzido pela revisão constitucional de 2005 precisamente para legitimar o recurso ao instituto do referendo sempre que esteja em causa a aprovação de tratado que vise a construção e aprofundamento da união europeia.

Por último, a iniciativa de submeter o Tratado de Lisboa a referendo cabia in casu ao Governo (115.º n.º 1 e 197.º e) CRP), sendo, a respectiva decisão de submissão da competência do Presidente da República (134.º c) CRP). Não creio que em momento algum a Assembleia tenha questionado a sua legitimidade democrática ou tenha “fugido” às suas responsabilidades. A opção pelo referendo era, também ela, legítima, democraticamente legítima.

Espectadores disse...

Assino por baixo!

Anónimo disse...

Agradeço os comentários, que me permitem elaborar um pouco mais sobre a matéria.

Para que fique bem clara qual é a minha posição sobre o assunto e em jeito de esclarecimento...

Gosto de referendos, participei em todos. Participarei sempre como cidadão político.
Acontece que mais do que referendos, gosto de eleições. Esse verdadeiro acto de cidadania que nos leva a escolher os nossos decisores com consciência, responsabilidade e em liberdade.

É nos momentos eleitorais que nos devemos perguntar se aqueles que elegemos são os mais indicados para decidir por nós em matérias relacionadas com o governo do Estado.

Como tal, e como claramente expus no post, considero a matéria da aprovação e ratificação do Tratado de Lisboa como outra qualquer aprovação e ratificação de qualquer outro Tratado Internacional.

Desde 1974 que Portugal empreende um conjunto de iniciativas diplomáticas com vista a intensificar o seu papel no contexto político internacional. Deste esforço contam-se inúmeras adesões a Cartas, Convenções, Protocolos, Tratados, Uniões... todos eles aprovados e ratificados pela Assembleia da República.

Se desde o início tivesse sido prática política referendar Tratados, então deveríamos ter começado mais cedo, com a propria adesão à CEE, em '86. Diz-me que em 2005 o "preceito contido no artigo 295.º da CRP, introduzido pela revisão constitucional"..." precisamente para legitimar o recurso ao instituto do referendo sempre que esteja em causa a aprovação de tratado que vise a construção e aprofundamento da união europeia." Sabe, há tanto preceito na CRP que permite tanta coisa que é por isso que ela está como está!

Concordo em absoluto com a necessidade de informar os portugueses sobre a Europa de ontem, de hoje e a de amanhã. Conheço a Europa de ontem, que começou com Schuman, que chegou a Lisboa em Dezembro de 2007 e deu um pequeno passo em frente (e não o gigantesco passo que era a Constituição!) com o Tratado de Lisboa. Não temo este Tratado porque o conheço, porque o li, porque compreendo o que lá está escrito e aceito.

Qualquer um que leia o Tratado percebe que não é preciso um referendo. Porquê? Porque se trata de um instrumento de gestão comunitária que é essencial para o futuro institucional da Europa, mas puramente do ponto de vista funcional. A um alargamento político deve corresponder uma evolução institucional. É simples.

Não é nos referendos que os portugueses podem fazer a diferença, é nas eleições legislativas e nas europeias.

É democrata o referendo que questiona uma sociedade que sabe o que está em causa e escolhe com clareza.

É demagogo o referendo que questiona uma sociedade que não sabendo o que está em causa, não compreendendo a natureza da decisão que lhe é pedida, é chamada a escolher segundo a informação ditada pelo oportunismo político.

Temo que o assunto foi (como habitual) vulgarizado e usado como arma de arremesso contra o Governo socialista e como tal, prefiro que não venha à praça. No momento actual, o povo provavelmente chumbaria o Tratado por causa do encerramento das urgências, do do défice e do Ministro das Finanças, da Ota, da Ota+1 e do Ministro Lino, do TGV...

Em suma, adoro eleições e gosto de referendos. Mas gosto mais de eleições do que de referendos.